Folha de S. Paulo


Crítica

Sofia Coppola mexe no vespeiro de mitos dos EUA e se sai bem

O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS (THE BEGUILED)
ELENCO: Nicole Kidman, Elle Fanning, Kirsten Dunst, Colin Farrell
PRODUÇÃO: EUA, 2017, 14 anos
DIREÇÃO: Sofia Coppola
Veja salas e horários de exibição.

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Apesar do título, amor não há muito no filme de Sofia Coppola. Se olharmos o original, "The Beguiled", "o seduzido", fica mais fácil compreender o que prende John McBurney (Colin Farrell) ao casarão de Martha Farnsworth (Nicole Kidman).

"O Estranho Que Nós Amamos" é uma coleção de mitos da história norte-americana.

Primeiro: é a refilmagem do clássico de 1971 dirigido por Don Siegel e estrelado por Clint Eastwood.

Segundo: conta a história de um soldado no sul dos Estados Unidos, terra conhecida pelas maçãs, mas também por frutos estranhos, como cantaria Billie Holliday.

Terceiro: o soldado foge da Guerra Civil na Virgínia, uma das Treze Colônias inglesas que deram origem ao país.

Como se não bastasse, trata da causa feminina.

É curioso o internato da senhorita Farnsworth. Nos filmes do subgênero WIP (women in prison), a convivência de mulheres em presídios mexe com os hormônios de personagens e espectadores. As sete mulheres do filme não estão em um presídio com grades nas janelas, mas em um templo fechado. Resta saber se John poderá penetrá-lo.

Adaptações foram feitas em relação ao longa de 1971, baseado no livro homônimo.

Não temos o beijo em uma menina de 12 anos, o incesto entre irmãos ou a escrava negra. Não existe o espírito da era da Guerra do Vietnã.

Se a certa altura Eastwood cantava "não se aliste no Exército", em 2017 a história permanece no grupo de mulheres, confrontado pela chegada do intruso.

A aura de sonho é o melhor elemento do filme, ficando, em algumas cenas, a um minuto do "gore", que teria sido bem-vindo.

Coppola novamente convidou Kirsten Dunst, protagonista de "As Virgens Suicidas" e "Maria Antonieta", pontos altos nas trajetórias das duas. Como Edwina, Dunst é um dos destaques do filme, ao lado da Martha de Kidman, ainda que a construção das personagens derrape aqui e ali, sem distinguir bem as diferenças entre ambas, nítidas na primeira versão.

Pelo filme, Sofia Coppola saiu do Festival de Cannes com o prêmio de melhor direção –o segundo concedido a uma mulher desde 1961.

Mas há que admitir que ela mexeu no vespeiro. Se errasse, ficaria à sombra do passado. Se acertasse, poderia recriá-lo. Saiu-se com louvor, lembrando que mitos são só histórias e, às vezes, é melhor não deixá-los adormecidos.


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