Folha de S. Paulo


Filme de Sofia Coppola é criticado por excluir personagem negra da história

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A escrava Hallie (Mae Mercer) e o soldado John (Clint Eastwood) em 'O Estranho que Nós Amamos' (1971)
A escrava Hallie (Mae Mercer) e o soldado John (Clint Eastwood) em filme original de 1971

"O Estranho que Nós Amamos", de Sofia Coppola, foi acusado nos Estados Unidos de praticar "whitewashing" (algo como "embranquecer"), ou seja, excluir da obra personagens de outras etnias.

A diretora tirou de sua refilmagem do longa de Don Siegel (de 1971) uma escrava negra, uma das oito personagens do filme. No original, Hallie (Mae Mercer) também é seduzida pelo cabo John McBurney, abrigado na casa das mulheres. No longa, parte das ações dessa personagem foram incorporadas por outras duas.

Em resposta, Coppola afirmou que não gostaria de fazer uma má representação de negras em seu filme. "Eu não queria abordar esse assunto de forma tão branda", disse em entrevista ao "BuzzFeed".

"Sinto que não dá para mostrar a perspectiva de todos numa história. Estava focada só neste grupo de mulheres", disse Coppola. "Tratar de escravidão como uma trama lateral seria um insulto. Há vários exemplos de como escravos foram apropriados por artistas brancos", disse ao site americano "Indiewire".

As acusações de whitewashing no cinema e na televisão têm ganhado força e gerado debate pelo mundo.

O filme "A Vigilante do Amanhã" (2016), remake do anime "Ghost in The Shell", de 1995, foi acusado de tornar branca uma personagem originalmente de outra etnia. A americana Scarlett Johansson foi escolhida para interpretar a ciborgue "Major", cuja história se passa no Japão.

Após a Disney anunciar a produção do musical live-action de "Aladdin", baseado na animação de 1992, internautas fizeram petição com 22 mil assinaturas por maior diversidade no elenco do filme a ser dirigido por Guy Ritchie.

Em seguida, o estúdio definiu como pré-requisito atores de origem ou ascendência de países do Oriente Médio. Em julho, foram escolhidos Mena Massoud, egípcio que cresceu no Canadá, e Naomi Scott, britânica filha de mãe indiana, para o casal protagonista.

Para ativistas, whitewashing é ainda escalar um ator branco como se fosse de outra etnia, caso da novela da Globo "Geração Brasil", de 2014.

Na novela, o ator Rodrigo Pandolfo usou fitas transparentes e barbantes para simular olhos puxados. Esse tipo de caracterização é chamada de "yellowface" (alusão à "blackface", prática de pintar de preto a pele do artista em vez de escalar um negro). O ator não foi localizado para comentar o assunto.

A escalação do ator Luís Melo papel do patriarca de uma família japonesa na novela da Globo "Sol Nascente", em 2016, também foi criticada.

Em comunicado, a emissora disse que o personagem de Melo era mestiço, "neto de um americano com uma japonesa e, por isso, não teria traços tão explicitamente orientais".

Para Joel Zito Araújo, 61, cineasta e pesquisador, não há falta de atores dessas etnias. "É um problema de persistência de um imaginário de produtores e realizadores de cinema que não estão acostumados e comprometidos a representar a realidade brasileira."

Segundo dados de dezembro de 2015 do IBGE, em 2014 negros e pardos representavam 53,6% da população, e brancos somavam 45,5%. "O segmento de menor incorporação de negros ainda é o cinema", afirma Araújo.

Estudo publicado neste ano pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro diz que atores e atrizes brancos somam 86% dos elencos principais de filmes brasileiros de grande público da última década, e os negros, 11%. Não havia informações sobre os outros 3%.


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