Folha de S. Paulo


Em 'Gira', Grupo Corpo se inspira em Exu e dança ao som de Metá Metá

É no palco nu, preto, riscado por feixes de luz que o Grupo Corpo busca a ligação entre o espiritual e o terreno.

"Gira", coreografia que a companhia mineira estreia nesta sexta-feira (4), abrindo a temporada de dança do teatro Alfa, é uma ode aos ritos da umbanda, em especial à figura de Exu, considerado o orixá mais humano.

A proposta da temática veio do trio Metá Metá, convidado pelo Corpo a criar a trilha sonora do espetáculo.

"Talvez por Exu ser a energia que faz os corpos se moverem, é o deus da dinâmica e do movimento, pensamos nos bailarinos e bailarinas", explica Kiko Dinucci, que integra a banda ao lado de Juçara Marçal e Thiago França.

Foram três versões do disco até chegarem ao resultado final, "para que a gente não focasse só a música e deixasse espaço aos demais elementos do espetáculo", diz Kiko.

"Tivemos que pensar a composição de um modo diferente [do que fazem com os discos], com as ideias se desenvolvendo com mais calma."

A música do trio, uma mescla de influências africanas e jazzísticas, contou com as participações de Nuno Ramos (autor de uma das letras) e de Elza Soares, que canta em duas faixas. Sua voz rouca prenuncia os ritos de Exu: "chão, céu, caos".

Gira

Na pesquisa de "Gira" (nome dado às rodas de culto a entidades da umbanda), os irmãos Rodrigo e Paulo Pederneiras, respectivamente coreógrafo e diretor do Corpo, incluíram visitas a terreiros.

"Eu era um ignorante total e absoluto [da umbanda]. Agora sou um frequentador assíduo", diz Rodrigo, que ainda hoje continua a visitar terreiros de Belo Horizonte.

Mas, em "Gira", o coreógrafo evitou ser literal nas referências a ritos. "Seria muito óbvio se eu começasse a usar, por exemplo, dança afro. É uma tentação. Na verdade, a gente foi pegando pequenas coisas de cada entidade."

Os movimentos tradicionais do Corpo, como o quadril quebrado e os pés rápidos, continuam lá. Mas são pincelados por gestos de matiz afro-brasileiro, como um impulso de ombros e tronco. Há ainda momentos que lembram um transe, acompanhados de um solo do sax de França.

Para esse terreiro de dança, Paulo buscou uma cenografia limpa, "praticamente o nada", como define. O palco preto é pontuado apenas por luz.

Já os bailarinos nunca saem completamente de cena. Quando não estão dançando, sentam-se em cadeiras ao fundo e nas laterais do palco, cobrindo-se com um véu preto. Sobre suas cabeças, uma lâmpada marca suas posições.

"Ali é o plano da escuridão, das trevas", afirma Paulo. "Quando as entidades [representadas pelos bailarinos] são convidadas para essa gira, para essa festa, saem dali e dançam na zona de luz."

No programa –que depois de São Paulo segue para o Rio (23 a 27/8), Belo Horizonte (2 a 6/9) e Porto Alegre (7 e 8/10)– também será apresentada "Bach", coreografia de 1996.

Com versões de Marco Antônio Guimarães para composições de Johann Sebastian Bach (1685-1750), o espetáculo reúne os barrocos alemão e mineiro, mesclando tons de azul, preto e dourado sobre o palco e os figurinos e com os bailarinos se dependurando em estruturas metálicas, semelhantes a tubos de um órgão, que pendem do teto.

AREJAR

Ainda à frente das criações do Corpo, Rodrigo anunciou há três anos que irá "passar o bastão". A bailarina Cassi Abranches, sua nora, é cotada para assumir. Mas isso não significa um desligamento do grupo, afirma o coreógrafo.

"Não quero parar de trabalhar totalmente. Mas estou ficando velho, estou com 62 anos. Está na hora de trazer gente nova. Tem que arejar", diz ele, que passou por duas cirurgias no joelho direito e uma no esquerdo.

Gira

Aos 42 anos, a companhia também vem se equilibrando para manter o orçamento anual de R$ 15 milhões –R$ 10 milhões de patrocínios e o restante de recursos próprios.

Com a crise na Petrobras, que por muitos anos foi a única patrocinadora do Corpo, a estatal vem reduzindo desde 2013 a verba destinada ao grupo. Hoje a empresa e o governo do Estado de Minas Gerais dividem igualmente 60% da receita de patrocínios.

"A gente passou por um período complicado. Não está fácil, mas deu para dar uma respiradinha", diz Rodrigo.

No fim de 2016, a companhia buscou outro filão. Deu início ao programa Amigos do Corpo, no qual pessoas físicas podem fazer doações ao grupo e abater o valor do imposto de renda. Segundo Paulo, o mecenato já rende um retorno, ainda que tímido.

A jornalista MARIA LUÍSA BARSANELLI viajou a convite do Grupo Corpo.

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GIRA
QUANDO qua. e qui., às 21h; sex., às 21h30; sáb., às 20h, dom., às 18h; até 13/8
ONDE Teatro Alfa, r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, tel. (11) 5693-4000
QUANTO R$ 50 a R$ 160
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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