Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Filme mostra infindável noite que se segue à morte de Eva Perón

EVA NÃO DORME (muito bom)
(Eva No Duerme)
DIREÇÃO Pablo Agüero
ELENCO Gael García Bernal, Denis Lavant, Imanol Arias
PRODUÇÃO Argentina, 2015, 12 anos
Veja salas e horários de exibição

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Somos um pouco estranhos, os povos deste lado do mundo. No Brasil, parece que buscamos sempre uma figura paterna que nos guie. Na Argentina, o que se procura é, antes, uma mãe protetora.

Nesse caso, não há figura mais emblemática do que Eva Perón. E é dela que trata "Eva Não Dorme". Dela em termos. Pois é a Argentina como filme de terror que Pablo Agüero parece representar em seu filme.

Evita, como se sabe, morreu em 1952, aos 33 anos. Seu marido, Perón, ainda era presidente ou ditador do país, conforme se prefira. O corpo de Evita foi embalsamado e, em seguida, visitado e adorado por seus seguidores.

A força de Evita vigorou muito além de sua morte. Depois que Perón foi deposto, os militares tomaram a providência de sumir com seu corpo, que só voltaria à Argentina nos anos 1970. Convém recordar ao menos em parte a história, pois ela é, em si, fantástica.

Existe, por outro lado, o filme. Desde as primeiras imagens de arquivo, em que uma Evita ainda viva discursa para a multidão, algo de agônico se deixa sentir. A morte virá em seguida. E o processo de embalsamamento, essa tentativa desesperada de encontrar vida na morte.

Antes de sua morte, Eva Perón já dividia opiniões. Filha bastarda, atriz de segunda categoria, ignorante: não era o modelo de pessoa capaz de seduzir, por exemplo, um aristocrata como Jorge Luis Borges.

No filme isso não vem ao caso. Agüero se fixa em alguns personagens exemplares: o almirante Massera (Gael García Bernal) é o principal deles. Afinal, participou tanto do golpe que derrubou Perón em 1955 como foi uma das figuras mais sinistras da sinistra ditadura que se instalou na Argentina em 1976. Ele será no filme o homem do "acerto de contas" com Evita.

Existem outros: do embalsamador àqueles que transportam o corpo de Evita. O filme se faz de espaços fechados, quase sempre noturnos: é dessa infindável noite que se segue à morte de Eva Perón que se trata, e seu único contraponto são as imagens de arquivo: as revoltas de rua, os tanques, o retorno do corpo, as homenagens ao corpo.

O corpo inerte e, no entanto, nunca morto. Um símbolo a ser amado ou odiado, mas por certo condenado a ser o centro do filme de terror em que se transformou a Argentina depois de sua morte, que teria sua culminância na ditadura que notabilizou tristemente o almirante Massera.

O horror não está no horror, costumava dizer Júlio Bressane. É fora dos filmes de terror que, verdadeiramente, o encontramos. Não será um mérito menor de Pablo Agüero colar o horror (gênero) ao horror (real) que veio no rastro da morte de Eva, com uma economia de meios que nem prejudica o entendimento nem retira eficácia à narrativa.

Assista ao trailer de 'Eva Não Dorme'

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