Folha de S. Paulo


Consistentes, Paul Beatty e Marlon James debatem apropriação cultural

Bruno Santos/Folhapress
Paul Beatty e Marlon James encerram programação deste sábado na Flip
Marlon James e Paul Beatty encerram programação deste sábado (29) na Flip

Cumpriu as expectativas de qualidade o debate entre os escritores Marlon James e Paul Beatty, realizado neste sábado (29), em Paraty, na Igreja da Matriz. Entrosados, porque são amigos, os dois discorreram sobre diversas questões tratadas na literatura contemporânea.

O jamaicano James foi mais desenvolto do que o americano Beatty, que respondia a quase todas as perguntas com "eu não sei" –antes de evoluir para uma resposta com o raciocínio errático.

Um dos pontos discutidos foi o conceito de apropriação cultural, que sempre volta à baila como polêmica.

"O direito de escrever tudo o que você quer está dado. Já o privilégio de não ter suas bobagens contestadas, não. [Antes] os autores podiam escrever besteira e não serem questionados. Questioná-los não é censura", disse Marlon James, citando um discurso polêmico da escritora Lionel Shriver de 2016.

A autora foi criticada após repudiar, em um festival literário, a afirmação de que os brancos cometem apropriação quando assumem o ponto de vista de personagens de outras culturas.

Para James, quem reclama do conceito está mesmo é com medo de receber uma resenha ruim, por ter escrito mal.

Outro ponto interessante da discussão foi quando a dupla foi questionada sobre o significado de "grande romance americano", conceito para obras definitivas e representantes das grandes questões da identidade dos EUA.

"Acho a noção de que pode existir um livro definitivo reflete a grande neurose americana e toda a ideia de que os Estados Unidos são um país único. Isso está ligado ao grande complexo de inferioridade americano. Cara, aceita o tamanho do seu pênis!", disse James.

Eles também foram questionados pelo mediador sobre se sentirem pressionados a cumprir expectativas de como deve produzir um escritor negro.

"Dizem que meu livro é sobre raça. É como se dissessem que a literatura branca não é sobre raça", afirmou Paul Beatty.

Quando o mediador perguntou se alguém branco poderia ter escrito "O Vendido" (Todavia).

"Sou o único que poderia ter escrito essa droga de livro!", respondeu.

Nesse tema das expectativas, James disse que, quando ganhou o Man Booker Prize, em 2015, um jornal jamaicano o parabenizou, mas acrescentou que o livro manchava a imagem do país.

"Há uma Jamaica que me interessa. Escrevi livros sobre diferentes Jamaicas. Eu não trabalho para a indústria turística", afirmou.

Os dois ainda enveredaram pela política americana, em especial sobre o presidente Donald Trump.

"É impossível se divorciar do tempo em que se vive", disse Paul Beatty. "É bom que exista um movimento de luta contra algo, mas às vezes isso cria a noção de que não temos mais tempo para a arte e para o humor."

Marlon James acrescentou sempre ter desconfiado de escritores com uma missão. "Eles sempre são péssimos artistas. Eles têm essa noção de que o que fazem é necessário. Sim, é necessário. Mas também é uma merda", disse.

O jamaicano acrescentou que não quer viver o tempo inteiro no mundo de Trump. Ele deseja ter tempo para escrever sobre as fadas, afirma.


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