Folha de S. Paulo


Mesa reúne autores que partem da realidade como matéria-prima

Bruno Santos/Folhapress
A jornalista argentina Leila Guerriero na mesa Trótski nos Trópicos, na Flip
A jornalista argentina Leila Guerriero na mesa Trótski nos Trópicos, na Flip

Unidos pelo fato de terem a realidade como matéria-prima, a jornalista argentina Leila Guerriero o escritor francês Patrick Deville fizeram na noite deste sábado (29) a mesa "Trótski nos Trópicos".

Expoente do jornalismo literário latino-americano, Guerriero é autora de "Uma História Simples" (Bertrand Brasil), em que fala de Rodolfo González Alcántara, dançarino de "malambo", um ritmo folclórico argentino.

Já Deville trabalha num ambicioso projeto de escrever 12 "romances sem ficção" que, juntos, contarão a história do mundo nos últimos 150 anos.

Bruno Santos/Folhapress
O escritor francês Patrick Deville na mesa Trótski nos Trópicos, na Flip
O escritor francês Patrick Deville na mesa Trótski nos Trópicos, na Flip
Peste e Cólera
Deville, Patrick
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Fazem parte dele dois livros lançados pela editora 34 –"Viva!", que saiu em janeiro e se passa no México, onde Trótski foi assassinado, e o recém-lançado "Peste e Cólera", situado principalmente no Vietnã, onde viveu o cientista suíço Alexandre Yersin.

Possivelmente a mesa mais essencialmente literária até agora nesta edição da Flip, a conversa foi conduzida pelo escritor e editor Paulo Roberto Pires.

A aparente especificidade do título –que dizia respeito ao fato de "Viva!" ter como protagonista o líder revolucionário soviético e se passar na América Latina que é tema de Guerriero– ficou ecoando ao longe.

Falou-se pouco dos assuntos que os livros abordam e mais de sua construção.

O tom cerebral do debate pode ter contribuído para o esvaziamento progressivo da igreja ao longo do encontro, que abordou temas como a decisão dos escritores de se colocarem pessoalmente dentro de suas narrativas.

"Eu gosto muito mais de não aparecer nos meus próprios textos, prefiro escrever em terceira pessoa, apareço às vezes no diálogo, mas sempre que apareço é porque o artigo não funcionaria se eu não estiver lá", explicou Guerriero.

"Eu tinha um velho editor maravilhoso que sempre me dizia que eu não escrevesse na primeira pessoa a não ser que eu fosse contar uma experiência que fosse intransferível."

Para falar do dançarino folclórico Rodolfo González Alcántara, ela sentiu que era preciso falar da dificuldade de contar sua história e do fascínio que aquele homem totalmente comum lhe provocava ao dançar.

"Esses livros têm um narrador que sou eu, não poderia ser outra pessoa", resumiu Deville. "E é um narrador que vai envelhecer. São 20 anos na vida desse narrador, então é um pouco autobiografia também", disse o francês, que persegue a mistura de gêneros literários em sua obra.

O grau de invenção possível em narrativas que partem da realidade também foi debatido.

Para Guerriero "a invenção não entra em lugar algum" no que concerne o que se narra, limitando-se à forma como narra.

"Sem um grande intérprete, a partitura é uma informação morta. O que não quer dizer que o intérprete esteja acima de quem escreveu aquilo", disse. "No meu caso, a criatividade está na forma, no recurso narrativo. A linguagem está a serviço da estrutura do texto."

Deville ressaltou o fato de que "Uma História Simples", o livro de Guerriero, é "absolutamente fantástico" por ser "uma criação literária, que não precisa de nada mais". "Sabemos que não é uma ficção, é um livro muito bem escrito."

Na opinião do francês, "se não tivermos na escrita essa exuberância, essa quase alucinação, não vale a pena escrever, e não valerá a pena para os outros ler nossas obras".

Ele, que se concentra em personagens reais e recusa terminantemente romancear a história, como inventar falas para os personagens históricos sobre os quais escreve, diz que não se pode "mudar os fatos". "Mas, em cima desses fatos, a gente toca nosso violino."


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