Folha de S. Paulo


CRÔNICA

Em tempos de autoficção, há quem se subtraia do escrutínio do leitor

Bruno Santos/Folhapress
O escritor islandês Sjón ajusta os óculos na Flip neste sábado (29)
O escritor islandês Sjón ajusta os óculos na Flip neste sábado (29)

As narrativas em que autores se inserem mais ou menos explicitamente como personagens (autobiografia, autoficção, pós-ficção ou como mais se quiser defini-las) constituem uma das vertentes mais vívidas da literatura contemporânea. Não espanta, portanto, que seus meandros sejam tão esquadrinhados nas mesas da Flip.

Mas há quem ainda prefira se subtrair do escrutínio do leitor, ou talvez deixar-se ver só veladamente, escamoteando-se (sem nunca se apagar) em outros contextos históricos -ou folclóricos, fantasiosos.

O escritor islandês Sjón, que escreve romances banhados de acenos às mitologias celta e nórdica, é um deles. Diz que nunca achou sua vida interessante o suficiente para inspirar um livro. Pondera, no entanto, que, ao não falar (supostamente) nada de si em suas obras, expõe-se a análises psicológicas tão ou mais profundas do que os colegas de ofício mais indiscretos.

"A máscara conta muito mais sobre uma pessoa do que o rosto. Muitos livros autobiográficos não dão uma ideia real do nosso subconsciente", afirmou no sábado (29), na mesa que dividiu com o brasileiro Alberto Mussa.

Este, grande entusiasta das mitologias afro-brasileiras e indígenas, defendeu a potência desses relatos, que para ele "são a literatura quase que propriamente dita, tratam há milênios de todos os principais temas da humanidade: a criação, a morte, o amor, a violência, a moral e a sexualidade".

Segundo Mussa, o fato de muitas dessas narrativas estarem presentes em culturas completamente distintas explicita nossa origem comum, "prova que somos um povo só e que as línguas é que nos dividiram".

Sjón ainda destacou o caráter pedagógico do mito, que lembra periodicamente o homem de sua estatura módica na grande ciranda universal e o confronta à própria soberba, fazendo pairar sobre ele o espectro da tragédia. "Nesses tempos de destruição do mundo dos deuses, precisamos muito mais dos mitos", concluiu.


Endereço da página:

Links no texto: