Folha de S. Paulo


Em mesa da Flip, rapper e freira debatem ditaduras e resistência

Bruno Santos/Folhapress
PARATY,RJ, BRASIL, 29-07-2017: Mesa Kanguei no Maiki, no quarto dia da 15ª FLIP (Festa Literária Internacional de Paraty). Na foto, Maria Valeria Rezende. (Foto: Bruno Santos/ Folhapress) *** FSP-ILUSTRADA *** EXCLUSIVO FOLHA***
Maria Valeria Rezende em mesa da Flip

O rapper e escritor angolano Luaty Beirão se uniu à escritora e freira Maria Valéria Rezende para discutir ditaduras, a atual em Angola e a militar no Brasil. Em mesa na tarde deste sábado (29), Luaty falou sobre seu ativismo contra o governo do presidente José Eduardo dos Santos, que está há 38 anos no poder em Angola.

Seu ativismo pela redemocratização do país lhe rendeu uma temporada na prisão, onde ele fez greve de fome por 36 dias. No ano passado, publicou um diário sobre sua vida na prisão "Sou Eu Mais Livre, Então" (Tinta-da-China, 2016).

A escritora Maria Valéria Rezende, freira que atuou na resistência à ditadura militar, leu um trecho de seu último livro e contou como ela contrabandeou para fora da prisão as cartas escritas por frei Betto, em 1971. Eles trocavam cintos de couro com as cartas costuradas por dentro, escritas com letras minúsculas.

Na época, segundo ela, o regime militar estava conseguindo convencer vários bispos de que os dominicanos não eram cristãos nem frades, eram comunistas infiltrados na igreja para fazer subversão. Ela mimeografou as cartas de Frei Betto para distribuir na assembleia dos bispos, e as missivas foram posteriormente transformadas em livro.

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Rezende, que ganhou o prêmio Jabuti em 2014 pela obra "40 Dias", conquistou a plateia com seu jeito despachado.

Quando ela conquistou o Jabuti, jornalistas anunciaram o prêmio como "veterana desbanca Chico Buarque", ao que ela disse "eu e o Chico temos a mesma idade, por que é que eu sou veterana?" Quando era apresentada como freira escritora surpreende."Pensam sempre que freira é uma velhinha boboca que foi pro convento porque não arrumou marido."

Na mesa, ela disse ter percebido que passou a vida entrando e saindo da prisão, mas que nunca foi presa. "Aí estava acabando um livro, estava difícil, lembrei que o meu último tem um selo da Petrobras e pensei: 'Deus queira eu seja presa', pois aí conseguiria se concentrar no livro."

Bem humorada, ela se definiu como "meio mouca, meio cega e meio fraca do juízo".

Rezende formou leitores em presídios e criou cartilhas para alfabetização de jovens e adultos. Na discussão, com mediação competente da jornalista Mariana Filgueiras, a freira relatou também como usou sua experiência de anos vivendo em vilarejos no sertão nordestino para escrever seus romances.

Luaty descreveu como foi preso com um grupo de pessoas que discutiam a obra do escritor Gene Sharpe, "Da ditadura à democracia", e foram acusados do crime de "associação de malfeitores" e, posteriormente, de "atos preparatórios para rebelião e atentado a chefe de Estado".

Honrando o nome da mesa —"Kanguei no maiki", expressão angolana que significa peguei no microfone—, Luaty encerrou cantando um rap de crítica à situação política e social de seu país.


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