Folha de S. Paulo


Relembre os debates realizados nas mesas da Flip

Deu certo a estratégia da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) de começar o evento deste ano com uma aula dramatizada com Lázaro Ramos e Lilia Moritz Schwarcz sobre Lima Barreto, homenageado da edição deste ano. Os dois conseguiram arrancar aplausos e risadas da plateia, que também ficou bastante emocionada com a apresentação.

Outro momento curioso aconteceu na mesa que recebeu o historiador Luiz Antonio Simas e a crítica literária Beatriz Resende, que contaram ter tomado um "golinho de cachaça" na sacristia.

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Sobre o próprio ofício, a luso-angolana Djaimilia Pereira de Almeida afirmou que escreve para não desperdiçar a própria vida.

Já a ruandesa Scholastique Mukasonga, uma das presenças mais aguardadas da Flip, e a brasileira Noemi Jaffe falaram sobre suas obras, nas quais lembram a trajetórias de suas mães.

Relembre o que aconteceu nas principais mesas da Flip:

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Mesa 1 — Sessão de abertura Lima Barreto: triste visionário

O evento que iniciou a edição 2017 da Flip teve, no lugar de uma conferência, uma aula dramatizada sobre o autor homenageado feita pela historiadora Lilia Moritz Schwarcz e o ator Lázaro Ramos, que arrancaram aplausos, urros e gargalhadas do público. Também houve espaço para protestos polítcios por parte dos presentes, que gritaram "Fora, Temer".

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Mesa 2 — Arqueologia de um autor

A mesa com os estudiosos Beatriz Resende e Felipe Botelho Corrêa valorizou a necessidade de um cânone que inclua os descendentes de negros e indígenas. E o que mais despertou interesse do público foi a fala de Edimilson de Almeida Pereira.

Muito aplaudido, o poeta e professor de letras da Universidade Federal de Juiz de Fora propôs pensar a literatura de Lima Barreto num "país conflagrado" em que hoje, como à época do escritor, as perspectivas dos negros eram "curtas, estreitas".

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Mesa 3 — Pontos de fuga

"Escrevo para não desperdiçar a minha vida. Seria uma vida sem viver, uma vida mal aproveitada. Para mim, escrever é uma questão de vida ou morte", afirmou a escritora luso-angolana Djaimilia Pereira de Almeida.

Ela participou de um debate com Natalia Borges Polesso e Carol Rodrigues, as outras duas jovens autoras convidadas, sobre os caminhos criativos e as experiências delas, que, apesar de terem publicado poucos livros, já tiveram seus trabalhos reconhecidos por prêmios como Jabuti e Clarice Lispector.

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Mesa 4 — Fuks & Fux

Se os sobrenomes dos autores Julián Fuks e Jacques Fux são parecidos, o debate entre eles não teve a mesma sintonia. Ao tratarem da crise na invenção literária, faltou entrosamento. Parecia que falavam para a plateia, mas não entre si.

Se não houve debate, eles conseguiram explicar seus pontos. Fuks, por exemplo, afirmou que prefere usar o termo "pós-ficção" em vez de "autoficção", que destaca a figura do autor e não mosta "uma crise na possibilidade de invenção".

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Mesa 5 - Odi et Amo

Em uma performance insólita, um tradutor português agnóstico leu um trecho da Bíblia em grego, seguido de um brasileiro que entoou um poema de Safo de Lesbos, também em grego. A leitura fez parte da mesa "Odi et Amo", que abordou a tradução de obras clássicas gregas.

Os participantes foram o português Frederico Lourenço, professor da Universidade de Coimbra e o o brasileiro Guilherme Gontijo Flores, professor de língua e literatura latina na Universidade Federal do Paraná, que conseguiram prender a atenção do público e arrancaram risos da plateia.

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Mesa 6 — Em nome da mãe

Scholastique Mukasonga e a brasileira Noemi Jaffe participaram de uma mesa na qual falaram sobre suas mães. A primeira é autora de "A Mulher de Pés Descalços" (ed. Nós), livro dedicado a sua mãe, assassinada no genocídio de Ruanda, em 1994. E Jaffe, 55, escreveu "O Que os Cegos Estão Sonhando?" (Editora 34) com sua mãe, uma sobrevivente do campo de Auschwitz.

"Não acho que é possível comparar graus de sofrimento, mas li na obra da Scholastique níveis de tortura que nunca encontrei em nenhum registro sobre o nazismo", disse Jaffe.

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Mesa 7 — Moderno Antes dos Modernistas

A jornalista e escritora Luciana Hidalgo e o pesquisador e crítico literário Antonio Arnoni Prado discutiram a situação de marginalização de Lima Barreto e o uso que fez da linguagem como forma de resistência.

Durante a conversa, Hidalgo afirmou que se a militância de Barreto contra os absurdos do racismo tivesse sido ouvida no século 20, a discriminação não assassinaria milhares de jovens negros e pobres todos os anos no Brasil.

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Mesa 8 — Subúrbio + Fruto Estranho

Foi em tom de papo na varanda, porém consistente, o encontro entre o historiador Luiz Antonio Simas e a crítica literária Beatriz Resende na Flip. Simas começou arrancando risos da plateia, ao contar que ele e a companheira de mesa haviam tomado um "golinho de cachaça" na sacristia antes de entrarem. "Só para quebrar o gelo!", disse.

E o ponto alto foi quando o jornalista Guilherme Freitas, mediador do encontro, perguntou aos dois como Lima Barreto se relacionava com a religiosidade dos subúrbios onde vivia.

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Mesa 9 — Na contracorrente

Companheira de vida do Nobel português, José Saramago, Pilar del Río foi apresentada pelo mediador Alexandre Vidal Porto, como "uma instituição". Afinal, ela é jornalista, tradutora, ativista, anarquista, humanista.

Lépida, falou sobre crescer num mundo ditado pelos homens. "A ditadura espanhola era feita por homens. A Igreja, também. A única mulher importante era virgem e mãe", disse, referindo-se à Virgem Maria, sentada no altar da igreja que abrigou parte da festa literária deste ano.

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Mesa 10 — A contrapelo + Fruto estranho

O cineasta brasileiro Carlos Nader e a escritora chilena Diamela Eltit fizeram um elogio da complexidade na arte durante a mesa que dividiram.

"O documentário pode ser um contraponto ao jornalismo", disse o diretor de filmes como "Homem Comum" (2015) e "Pan-Cinema Permanente" (2008). "O jornalismo muitas vezes é feito a toque de caixa; nessa toada, a complexidade dança. Se há algo que pode resistir através da arte, é a complexidade. O documentário é um filme que se relaciona com o mundo, mas que deixa tempo para reflexão."

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Mesa 11 — Por que escrevo

A escritora sul-africana Deborah Levy e o jornalista norte-americano William Finnegan tiveram uma longa conversa sobre a experiência literária e o prazer surgido da busca pelo belo –na arte ou no esporte.

"Um dia, o professor sugeriu que, já que eu não falava, escrevesse meus pensamentos. Fiz isso, e percebi que aquelas palavras que eu escrevia gritavam. E gostei", contou Levy.

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Mesa 12 — Fora de série

O debate entre a romancista cearense Ana Miranda, cujas obras dialogam com fatos e personagens da nossa história, e o historiador João José Reis, conduzido pela historiadora e biógrafa de Lima Barreto, Lilia Moritz Schwarcz, tratou do território fluído entre ficção e não ficção no tratamento da escravatura brasileira e da vida de escravos e negros alforriados do país.

"Costumo dizer que os romancistas são historiadores que fingem estar mentindo e os historiadores são ficcionistas que fingem estar dizendo a verdade", brincou Miranda.

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Mesa 13 — Kanguei no Maiki

O rapper e escritor angolano Luaty Beirão se uniu à escritora e freira Maria Valéria Rezende para discutir ditaduras, a atual em Angola e a militar no Brasil. Seu ativismo pela redemocratização do país lhe rendeu uma temporada na prisão, onde ele fez greve de fome por 36 dias.

Rezende, freira que atuou na resistência à ditadura militar, leu um trecho de seu último livro e contou como ela contrabandeou para fora da prisão as cartas escritas por frei Betto, em 1971. E Luaty encerrou cantando um rap de crítica à situação política e social de seu país.

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Mesa 14 — Mar de histórias

A vitalidade perene do mito, seja como manancial de histórias sobre os sentimentos e pulsões humanas, seja como advertência acerca dos efeitos de ações erráticas, esteve no centro da mesa.

O encontro colocou lado a lado o escritor e compositor islandês Sjón e o autor brasileiro Alberto Mussa. Ambos incorporam o repertório mitológico a seus escritos: o primeiro bebe do folclore celta e nórdico; o segundo, do indígena e afrobrasileiro.

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Mesa 15 — Trótski e os trópicos + Fruto estranho

Possivelmente a mesa mais essencialmente literária até então nesta edição da Flip, a conversa entre a jornalista argentina Leila Guerriero o escritor francês Patrick Deville foi conduzida pelo escritor e editor Paulo Roberto Pires.

A aparente especificidade do título —que dizia respeito ao fato de "Viva!" ter como protagonista o líder revolucionário soviético e se passar na América Latina que é tema de Guerriero— ficou ecoando ao longe. Falou-se pouco dos assuntos que os livros abordam e mais de sua construção.

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Mesa 16 — O grande romance americano

Cumpriu as expectativas de qualidade o debate entre os escritores Marlon James e Paul Beatty, um dos mais aguardados da festa. Entrosados, porque são amigos, os dois discorreram sobre diversas questões tratadas na literatura contemporânea.

A dupla foi questionada sobre o significado de "grande romance americano" —que deu nome à mesa— conceito para obras definitivas e representantes das grandes questões da identidade dos EUA. "Acho a noção de que pode existir um livro definitivo reflete a grande neurose americana e toda a ideia de que os Estados Unidos são um país único. Isso está ligado ao grande complexo de inferioridade americano", disse James.

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Mesa 17 — Amadas

"Este lugar é nosso por direito", disse, sob aplausos, Conceição Evaristo em sua fala inicial na mesa "Amadas", que a homenageou neste domingo. A escritora de 70 anos agradeceu "intensamente, particularmente" à curadoria de Josélia Aguiar pela busca da diversidade e da inclusão nesta edição do evento. E frisou que não podia "deixar de afirmar que não foi concessão".

A plateia, possivelmente a mais negra do Auditório da Matriz nesta edição, estava lotada e assim permaneceu durante mais de uma hora em que a autora de "Becos da Memória" e "Ponciá Vivêncio" conversou com a também escritora Ana Maria Gonçalves ("Um Defeito de Cor"). Do lado de fora a praça estava igualmente cheia com um público diverso.

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Mesa 18 — Livro de Cabeceira

Os autores Alberto Mussa, Ana Miranda, Djaimilia Pereira de Almeida, Patrick Deville, Paul Beatty, Scholastique Mukasonga e William Finnegan leram trechos de seus livros de cabeceira na sessão de encerramento da Flip.

O escritor brasileiro Alberto Mussa começou lendo "A Lenda de Jurupari", do autor indígena Maximiano José Roberto, que reconta uma lenda tupi do século 19. Ana Miranda escolheu homenagear o estado em que nasceu, o Ceará, com textos de três autores locais: Tércia Montenegro, Pedro Salgueiro e Jayson Viana Aguiar.

A autora portuguesa Djaimilia Pereira de Almeida escolheu um conto do francês Gustave Flaubert, "Um Coração Simples", que diz carregar sempre consigo. O francês Patrick Deville, dispensando a apresentação da importância pessoal do livro que escolhera, leu as duas primeiras páginas de "Em Busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust.

O autor americano Paul Beatty também apresentou duas páginas de "O Homem que foi Quinta-feira", do britânico G. K. Chesterton. A ruandesa radicada na França Scholastique Mukasonga leu trecho de "Olivier", do jornalista e escritor francês Jérôme Garcin.

O americano William Finnegan fechou a sessão com a leitura de dois poemas, "Treze maneiras de olhar para um melro", de Wallace Stevens e "Viagens", de Hart Crane.


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