Folha de S. Paulo


'Temos de combater a cultura do ciúme', diz criminalista na Casa Folha

Marcus Leoni /Folhapress
Pierre Moreau, organizador do livro 'Grandes Crimes', em debate na Casa Folha
Pierre Moreau, organizador do livro 'Grandes Crimes', em debate na Casa Folha

Crimes de grande repercussão fazem a roda do direito girar ao introduzir novas interpretações da lei. Por vezes, dada a comoção popular, até fazem com que a legislação seja revista, emendada.

Uma coleção deles está reunida na antologia "Grandes Crimes", da Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha, lançada na tarde desta sexta-feira (28), na Casa Folha, em Paraty. O debate teve mediação da repórter especial da Folha Patrícia Campos Mello.

Participaram do encontro o organizador da obra, Pierre Moreau, e alguns profissionais do direito que assinam textos no volume: o ex-chanceler Celso Lafer; o ex-presidente do TJ-SP e atual secretário da Educação de São Paulo, José Renato Nalini; o criminalista Eduardo Muylaert; o ex-secretário-geral do Ministério da Justiça José Paulo Cavalcanti Filho; o advogado do presidente Michel Temer, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira; a criminalista Alice Luz, e a procuradora de Justiça Luiza Nagib Eluf.

Moreau disse que o projeto nasceu do intento de contrapor a "verdade dos autos" à interpretação jornalística dada aos crimes em questão, já que, muitas vezes, casos que causaram celeuma na opinião pública pelo grau de crueldade das agressões infligidas tiveram desfechos surpreendentes.

Pierre Moreau na Flip

Nagib Eluf, que escreve no livro sobre o assassinato de PC Farias, em 1996, lembrou que foi a apuração de um repórter, Joaquim Gil de Carvalho, que mudou o rumo das investigações. Até ali, o crime era tratado como queima de arquivo. O jornalista levantou a lebre de um acerto de contas passional.

"Por que as pessoas precisam matar a mulher, o ex-marido? Isso me intriga. Por que existe a cultura da vingança no Brasil?", indagou ela ao público, que lotou o espaço. "As mulheres são as maiores vítimas de crimes passionais. Como a [namorada de PC] Suzana Marcolino era mulher, ninguém desconfiou. Falaram até que tinha sido encomenda da máfia internacional."

E emendou, com o punho erguido e em tom exaltado: "Temos de combater a cultura do ciúme, da posse, do assassinato".

CANIBAIS

Antes dela, Cavalcanti Filho narrou de forma bem-humorada a história sobre a qual se debruçou em sua seção do livro: a do "casal de três" de Garanhuns (PE) que matava, retalhava e comia suas vítimas.

"Preparei-me para visitar no presídio o homem do grupo. Quando um cliente meu que era psiquiatra dele soube, veio me desaconselhar: 'Ele é um psicopata, violentíssimo!'. Respondi: 'Também sou. Vai ser uma conversa boa'", contou, provocando risos na plateia.

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"O que me espantou é que ele só conseguia demonstrar afeto em relação a uma menina que ele achava que era sua filha, mas na verdade não era. Mostrava-se preocupado com o destino dela", contou.

Em tom mais grave, Celso Lafer lembrou a ocasião em que foi convocado a produzir um parecer para o Supremo sobre o caso de um editor gaúcho que só publicava obras antissemitas e de negação do Holocausto -o relato também está no livro lançado agora. Em instância inferior, o réu obtivera habeas corpus ardiloso (na expressão do jurista) da acusação de prática do racismo.

"[Tentei mostrar que] O sujeito passivo do crime é a população brasileira como um todo, tendo em vista o objetivo de criar sociedade livre, sem discriminação, sem preconceito", disse ele. "Argumentei que essa construção fraterna e pluralista é um bem público que o racismo procura enterrar."

Não foi o suficiente para convencer a corte, rememorou ele.

Depois foi a vez de Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que escreve na obra coletiva sobre os famigerados "crimes da mala", em que as vítimas são esquartejadas antes de seus algozes tentarem a todo custo se livrar dos restos delas. "São histórias em que o criminoso poderia ter se evadido e nas quais ele dificilmente seria desmascarado. Por que então retalhar, cumprir todo um ritual?", indagou.

Espanto parecido levou Eduardo Muylaert a se enfronhar nos bastidores do episódio do (frustrado) atentado a bomba no Riocentro, em abril de 1981, em plena abertura política. "Na época, acharam que se tratava de uma ação contra o processo conduzido pelo presidente Figueiredo. Mas na verdade ele sabia do plano, todas as cabeças do regime estavam envolvidas, inclusive o [ex-chefe do DOI-Codi coronel Carlos Alberto Brilhante] Ustra", afirmou no encontro.

Por fim, Alice Luz falou de um crime que mobilizou o país no fim de 1992: o assassinato da atriz Daniella Perez pelo colega de novela Guilherme de Pádua. "Não há pessoa 100% má. Você sempre tenta entender o que aconteceu para que a pessoa cometesse um crime. No caso dele, havia um lado sexual nebuloso. Ele misturou ficção e realidade", disse a advogada.


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