Folha de S. Paulo


Texto raro narra influência de Taunay sobre Sérgio Buarque de Holanda

Cícero O. Netto-11.fev.1982/Folhapress
O escritor e historiador Sérgio Buarque de Holanda em entrevista à *Folha*, em fevereiro de 1982
O escritor e historiador Sérgio Buarque de Holanda em entrevista à Folha, em fevereiro de 1982

Ao atravessar o largo do Arouche, em abril de 1961, o jornalista, sociólogo e historiador Sérgio Buarque de Holanda levava 12 laudas de um texto rememorativo que, hoje, elucida pontos de sua trajetória.

Tratava-se do discurso de posse da cadeira nº 36 da Academia Paulista de Letras, sediada no largo, cujos patronos foram Euclydes da Cunha e Afonso d'Escragnolle Taunay.

O texto teve só uma edição, no n° 67 da revista da academia, em 1962, de circulação restrita. Há ali certo ajuste de contas para com Taunay, um professor que influenciou sua obra e direcionou sua veia de pesquisador, área na qual o pupilo se tornaria respeitado.

Filho do Visconde de Taunay, autor do clássico "Inocência", Afonso marcou a historiografia nacional da primeira metade do século 20.

Formou-se em engenharia, mas seu pendor para pesquisa histórica foi mais forte, tornando-se um dos mais eminentes historiadores do país. Debruçou-se sobre a história de São Paulo, e com mais amplitude, sobre as bandeiras.

Seu percurso esteve ligado ao Museu Paulista, o qual geriu de 1917 a 1945, pois acabou por firmar as bases do museu histórico que a instituição no Ipiranga se tornou -deixando de ser natural e solidificando o mito do bandeirante-herói.

O discurso de Sérgio Buarque, seguindo o protocolo da APL, centra a fala em dois dos patronos da cadeira: Euclydes da Cunha e, sobretudo, Afonso de Taunay. Mas não só.

A engrenagem rememorativa do autor de "Raízes do Brasil" atua com acutilância, detendo-se sobre a figura tutelar de Taunay, empregando uma estilística elegante, sem ser aparatosa, revelando o domínio característico da língua.

O discurso mostra que além de ter sido seu professor e amigo de seu pai, Taunay foi o primeiro a apadrinhar o jovem, ao publicar textos em jornais de São Paulo.

"Certa manhã, recebo um telefonema amigo felicitando-me pelo artigo. Mas que artigo? Saí em busca de um jornaleiro e acabei por descobrir um dos escritos, assinado com meu nome, tudo em letra de forma, no mesmo jornal, nas mesmas colunas, onde costumavam sair os eruditos estudos do historiador de São Paulo e das bandeiras paulistas."

Sob a mesma influência, o rapaz depois se tornou jornalista correspondente na Alemanha, trabalhou em agências internacionais e nos principais jornais do país, como "Jornal do Brasil", "Diário de Notícias" e Folha (1950-53).
Em 1946, Taunay se aposenta da direção do Museu Paulista e é sucedido pelo discípulo, o que provocou o regresso da família Buarque a São Paulo.

Tais dados sinalizam que Sérgio se tornou uma espécie de herdeiro intelectual indireto, demonstrando que a intervenção de Taunay acontecia mesmo que nada fizesse. Como ocorreu quando se tornou coordenador da cátedra de História da Civilização Brasileira, na USP, em 1958, já ocupada pelo professor e mentor.

O principal ponto de contato entre eles no campo acadêmico vai da transmissão do interesse pelo estudo da história do país ao desvelo dos caminhos bibliográficos e metodológicos de pesquisa.

Em seu discurso na APL, Sérgio Buarque vai além e diz que a influência extrapolara qualquer explicação racional.

"Dir-se-ia que me prende a meu antecessor nesta casa, a sua pessoa, aos seus escritos, à sua lembrança, algum vínculo misterioso e inexpugnável. Não sou dado à astrologia, mas se fosse tentaria valer-me de razões sobrenaturais, razões de astrólogos, acenando para o poder de conjunções e influências siderais."

JORGE HENRIQUE BASTOS, jornalista, crítico e tradutor, organizou "Poesia Brasileira Contemporânea - dos Modernistas à Atualidade" (ed. Antígona).


Endereço da página: