Folha de S. Paulo


Captação de recursos para filme de Kleber Mendonça Filho é investigada

Bruno Poletti/Folhapress
O cineasta Kleber Mendonça Filho em evento no Sesc Pinheiros, em São Paulo, em março de 2017
O cineasta Kleber Mendonça Filho em evento no Sesc Pinheiros, em São Paulo, em março de 2017

Reconhecido pela crítica nacional e internacional como um dos melhores filmes brasileiros desta década, "O Som ao Redor" (2013) deu fama e prestígio a seu diretor, o pernambucano Kleber Mendonça Filho, mas pode também dar-lhe uma dor de cabeça.

A captação de recursos públicos para o filme está sendo investigada pelo Ministério Público Federal e por outros órgãos públicos por suspeita de irregularidades –que são negadas pelo cineasta.

Elas foram denunciadas ao Ministério da Cultura e ao MPF no Rio por um servidor da Ancine (Agência Nacional do Cinema), que apontou ainda possíveis falhas na conduta da diretoria da agência, presidida à época por
Manoel Rangel.

Em sua denúncia, ele afirmou que, desde 2015, vinha encontrando "resistência interna em representar contra a ilegalidade" neste e em outros casos ligados à obra.

"O Som ao Redor" venceu um edital de 2009 do MinC que determinava expressamente que só seriam aceitos "projetos com orçamento de, no máximo, R$ 1,3 milhão".

O ministério daria R$ 1 milhão e o restante da verba, até o limite de R$ 300 mil, poderia ser captado com outras fontes, inclusive públicas.

O longa pernambucano, contudo, enviou para a Ancine um orçamento no valor de R$ 1.494.991, 15%, superior portanto ao limite máximo.

Após vencer o edital, o filme redimensionou seus custos para R$ 1.949.690. A discrepância entre o custo total do filme e o limite permitido pelo edital foi detectada pela área técnica da Ancine e informada à Secretaria do Audiovisual, do MinC, em 2010. A irregularidade foi ignorada e o filme acabou captando R$ 1.709.978.

Questionado pela Folha, o ministério disse que "analisou o caso à época e encaminhou as inconsistências encontradas para apuração dos órgãos de controle e demais órgãos competentes".

Na verdade, o MinC se movimentou apenas neste ano, após o servidor da Ancine denunciar o caso à ouvidoria do ministério. Procurada, a agência não se manifestou.

CONDENAÇÃO

Outro caso sendo investigando atualmente diz respeito a uma irregularidade pela qual Mendonça Filho já foi condenado, em 2015.

Ele teve de devolver R$ 19,5 mil à Ancine por ter recebido ilegalmente dinheiro público para custear seu transporte durante a participação de "O Som ao Redor" em festivais internacionais em 2012.

Como era servidor público na Fundação Joaquim Nabuco (ligada ao Ministério da Educação), em Recife, o cineasta não poderia ter pleiteado a verba pública nesse caso. Para fazê-lo, assinou três declarações afirmando "não ser servidor público".

Em sua defesa no processo que foi aberto pela Ancine, o cineasta afirmou que, por ocupar cargo comissionado, não estaria abarcado pela vedação legal. Disse ainda que já havia sido contemplado em editais anteriores, o que o levou a crer que não havia impedimento.

A Procuradoria Federal na Ancine considerou que tal resposta demonstrava a "boa-fé" de Mendonça Filho e que bastava para "afastar a configuração do crime de falsidade ideológica". Recomendou apenas a devolução do dinheiro, o que foi feito.

A legislação, no entanto, determinava que tanto os procuradores quanto o responsável pela agência -na ocasião, o diretor-presidente Manoel Rangel- encaminhassem o caso ao MPF e à PF, para investigação e eventual punição na esfera penal.

Isso não foi feito, apesar dos repetidos alertas do servidor da Ancine responsável pelo processo. Dado o imobilismo de seus superiores, ele procurou os órgãos de controle.

O Ministério Público Federal abriu uma investigação para apurar "atos ilícitos supostamente praticados por servidores da Ancine e a fraude praticada no bojo do certame regido pelo edital nº 03/2009 [do MinC]".

Com o aval da consultoria jurídica do MinC e da Advocacia-Geral da União, o então ministro da Cultura, Roberto Freire, encaminhou o caso à Casa Civil e à Polícia Federal.

OUTRO LADO

"Nunca houve qualquer irregularidade em minha atuação como diretor e produtor de filmes, nem em relação ao cargo que ocupei com muito orgulho na Fundaj [Fundação Joaquim Nabuco]", escreveu o diretor Kleber Mendonça Filho, em resposta à Folha.

A reportagem o procurou, por e-mail, para questioná-lo sobre as suspeitas relacionadas à captação de dinheiro público para a realização de "O Som ao Redor" e para sua promoção em três festivais internacionais em 2012.

"Não tenho conhecimento de que o MPF e a PF estariam investigando os recursos utilizados na promoção de festivais internacionais, os quais, ressalte-se, são assunto há muito esclarecido e documentado pela Ancine", respondeu.

Sobre ter inscrito o longa em um edital do Ministério da Cultura que estabelecia teto de R$ 1,3 milhão para o orçamento, mesmo com ele custando R$ 1,7 milhão, Mendonça Filho disse que "o edital não impedia a cumulação de recursos federais com outras fontes de custeio".

"O Som ao Redor" recebeu R$ 1 milhão do MinC, por meio do edital de baixo orçamento, mais R$ 410 mil via edital do Estado de Pernambuco e R$ 300 mil da Petrobras, por meio da Lei Rouanet.

A permissão para tal acúmulo de fontes "era o entendimento da própria Ancine e da Secretaria do Audiovisual [e foi] aplicado, claro, não apenas em relação ao meu projeto", escreveu o diretor pernambucano.

"Vale salientar que órgãos de regulamentação como a Ancine são de suma importância na produção do audiovisual brasileiro, acompanhando o passo a passo administrativo de cada projeto."


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