Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Malick cria colagem inebriante em 'De Canção em Canção'

DE CANÇÃO EM CANÇÃO (ótimo)
(Song to Song)
DIREÇÃO Terrence Malick
ELENCO Rooney Mara, Ryan Gosling, Michael Fassbender
PRODUÇÃO EUA, 2017, 12 anos
Veja salas e horários

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"De Canção em Canção" não é convencional. Seu diretor e roteirista também não é. Terrence Malick, 73, não permite que o espectador fique indiferente a seu cinema.

Faz filmes que são amados ou odiados na mesma intensidade. Desta vez, amar seu oitavo longa-metragem está fácil. É o filme mais inebriante da temporada.

O segredo para esse encantamento é abandonar a busca por um roteiro de trama encadeada, por cenas que se destaquem das outras, pelo clímax, pelo final redentor. "De Canção em Canção", ambientado na efervescência da cena roqueira de Austin (Texas), é mais uma colagem do que que um enredo.

O roteiro dispara diálogos soltos, cabendo a quem vê o filme a tarefa de ordená-los. É um fluxo de ideias de Malick sobre a vida em frases pontuais. "Há um coração errado dentro de mim." "Queria ter todas as minhas cicatrizes de volta." "Eu não sei dizer a verdade. O mundo quer ser enganado." Parecem versos de canções.

São quatro personagens, dois homens e duas mulheres, que têm suas vidas interligadas por paixões e traições. Seu dia a dia se desenrola em cenas curtas, muito curtas mesmo.

Malick filma, na maior parte do tempo, os atores em momentos "fofos", flagrantes de namoro de gente bonita em cenários bonitos.

Michael Fassbender é Cook, produtor musical de sucesso. Ryan Gosling é BV, músico em busca de uma carreira. Natalie Portman é Rhonda, garçonete que se apaixona por Cook. Mas o protagonismo recai em Rooney Mara, como Faye, que trabalha para Cook e namora BV.

ELETRICIDADE

Não é suficiente a beleza natural do elenco. Malick faz questão de filmá-los da maneira mais sedutora possível. Sem uma cena de nudez, o filme vem carregado de eletricidade sexual. A erotização é bela e quase perversa. Rooney Mara tem um caso de amor com a lente da câmera.

As questões existenciais, que estão presentes e são devastadoras, não explodem. São ruminadas por cada um, com o recurso de transformar os personagens também em narradores em "off".

As cenas vão se complementando, com algumas idas e vindas que quebram a ordem cronológica, até o espectador perceber que ela não é necessária.

Malick começou com dois filmes belíssimos, "Terra de Ninguém" (1973) e "Cinzas no Paraíso" (1978). Depois de 20 anos afastado, voltou com o elogiado drama de guerra "Além da Linha Vermelha" (1998). Os pretensiosos "O Novo Mundo" (2005) e "Árvore da Vida" (2011) renderam a ele o rótulo de "chato". Os recentes "Amor Pleno" (2012) e "O Cavaleiro de Copas" (2015) foram fracassos.

ROQUEIROS NAS PONTAS

Talvez para tornar mais palatável seu novo filme, escolheu atores bonitões, recheou o elenco secundário de nomes conhecidos (Holly Hunter, Val Kilmer, Cate Blanchett) e inseriu vários roqueiros em pontas, mostrados em shows e bastidores.

A lista tem, entre tantos, Red Hot Chili Peppers, Iggy Pop, John Lydon, Lykke Li e Florence Welch. A veterana Patti Smith tem uma participação maior, em várias cenas, como amiga e conselheira da personagem de Rooney Mara.

Certamente alguns vão classificar o filme como verborrágico e... chato. Será um equívoco. "De Canção em Canção" é daquelas obras arrebatadoras. Não só por seu elenco sedutor, mas por ser instigante e incomum. Chato é quem não gostar.

Assista ao trailer do filme 'De Canção em Canção"

Assista ao trailer do filme 'De Canção em Canção'


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