Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Octavio Paz é lúcido ao expor o presente em textos inéditos

Hector Garcia /Reuters
Fique em casa - O poeta mexicano Octavio.Paz e sua mulher, Maria Jose: This undated file photo shows Mexico's Nobel literature laureate and most famous poet and writer Octavio Paz with his wife Maria Jose. Paz died April 19 at the age of 84 after a 20 year battle with cancer. He was given the Nobel prize in 1990. [B/W ONLY NO ARK] aw/Photo by Hector Garcia REUTERS*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
Octavio Paz (1914-1998) e a mulher, Marie-José, na Cidade do México

A BUSCA DO PRESENTE E OUTROS ENSAIOS (muito bom)
AUTOR Octavio Paz
TRADUÇÃO Eduardo Jardim
EDITORA Bazar do Tempo
QUANTO R$ 40 (104 págs.)

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"A Busca do Presente e Outros Ensaios" reúne três ensaios até então inéditos no Brasil do escritor mexicano Octavio Paz (1914-1998), traduzidos e apresentados por Eduardo Jardim. Em formato de bolso, o livro marca a estreia da coleção Ensaios Contemporâneos.

Escritos em épocas diversas, o primeiro quando o autor ainda não chegara aos 30 anos e o último no fim da vida, os três textos têm como fio comum, segundo diz Jardim na nota introdutória, "a dialética da solidão -o assunto central de sua obra como poeta e como ensaísta".

Outro recorte possível é o tema da poesia como antídoto contra a desumanização dos "nascidos em uma sociedade que nos faz naturalmente artificiais e que nos despoja de nossa substância humana para nos converter em mercadorias", como lemos no primeiro ensaio.

Nesse sentido, o livro desenha uma evolução que é ao mesmo tempo de sofisticação do pensamento e de um progressivo -mas não completo -desencanto do autor de
"O Labirinto da Solidão".

"Poesia de solidão e poesia de comunhão" é uma conferência de 1943 sobre a tensão entre aqueles que Paz considera os dois movimentos opostos da poesia lírica, a comunhão com o mundo e o reconhecimento da incomunicabilidade, representados pelos poetas espanhóis São João da Cruz e Quevedo, respectivamente.

Em "Estrela de três pontas: o Surrealismo", conferência de 1954, o ensaísta tece um elogio apaixonado ao movimento estético liderado por André Breton, influência marcante em sua poesia e seu pensamento.

Fruto da convivência próxima do autor com os expoentes da vanguarda francesa entre 1945 e 1951, quando serviu como diplomata em Paris, é um texto que não envelheceu bem em sua crença militante na potência
revolucionária do movimento.

O ensaio mais importante e atual do volume é o que lhe dá título. Discurso proferido por Paz ao receber o prêmio Nobel de Literatura em 1990, "A busca do presente" pode ser lido como uma súmula das inquietações políticas e estéticas de um dos maiores intelectuais latino-americanos do século 20.

O balanço é sombrio. Aquele processo de desumanização mencionado no primeiro ensaio se agravou. Está na mesa a carta da extinção da espécie, da degradação acelerada das condições de vida: "A infestação não apenas infesta o ar, os rios e os bosques, como também as almas". Há momentos em que Paz parece prever os retrocessos políticos e sociais do século 21, que não chegaria a conhecer.

Contra o colapso do futuro, o ensaísta se agarra com coerência admirável à experiência poética como tábua de salvação. "Que sabemos do presente? Nada ou quase nada. Mas os poetas sabem algo: o presente é o manancial das presenças."


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