Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Em livro, Antonio Cicero resgata debate sobre a relevância da poesia

Zo Guimaraes/Folhapress
Retrato do poeta e escritor Antonio Cicero em sua casa, no Humaita, Rio de Janeiro
Retrato do poeta e escritor Antonio Cicero em sua casa, no Humaita, Rio de Janeiro

A POESIA E A CRÍTICA (bom)
QUANTO: R$ 44,90 (236 págs.)
AUTOR: Antonio Cicero
EDITORA: Companhia Das Letras

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"A Poesia e a Crítica" reúne 13 ensaios do poeta, letrista e filósofo Antonio Cicero. O primeiro aborda, em tom de testemunho, sua relação problemática com a contracultura e a importância de suas conversas com Caetano Veloso para sua formação intelectual.

Sete são dedicados à análise da obra de autores como Hölderlin, Thomas Mann, Fernando Pessoa e os brasileiros Ferreira Gullar (2), Armando Freitas Filho e Drummond. Os ensaios mais interessantes são aqueles que discutem a poesia em nossos dias, o caso da letra de música e a relação da poesia com a filosofia. Há espaço para a complexa questão do cânone poético, espécie de ranking dos melhores poetas de todos os tempos.

Em "Poesia e Preguiça", texto que parece dialogar com a teoria do inutensílio, de Paulo Leminski, Cicero situa a poesia em nosso mundo saturado de informações e distrações, onde "tempo livre" virou artigo de luxo. O poeta resgata o sentido positivo e libertário que a palavra "ócio" tinha para os antigos (negócio vem de "nec otium", ou seja, não ócio).

A poesia nos abre a possibilidade de experimentar um tempo não utilitário, de ir além do uso pragmático da linguagem –o que domina nossas vidas. Paradoxalmente, a mesma "preguiça receptiva" fundamental para a gestação e produção de um poema é fatal para o leitor hiperpassivo.

Para Cicero o verdadeiro poema, onde forma e conteúdo estão em perfeita simbiose, mobiliza leitor e autor por inteiro: inteligência, emoção, sensibilidade, memória, cultura, intuição etc. Como argumenta no ensaio seguinte:

"Para fruir um poema é preciso nele imergir. E como a imersão não combina com a temporalidade acelerada do presente, muitos afirmam que a poesia simplesmente não tem mais lugar neste mundo. Pois bem, é exatamente por não se ajustar à temporalidade acelerada do presente que a poesia é necessária hoje".

"Sobre as letras de canções" revisita a velha polêmica sobre se letra de música é poesia, questão aparentemente resolvida com a canonização de Bob Dylan, Prêmio Nobel de Literatura. Sem deixar de explicar que o poema é uma estrutura autônoma, enquanto a letra é sempre parte de um conjunto maior, Cicero afirma ser mais pertinente perguntar se "a letra de música pode ser um bom poema".

A Poesia e a Crítica - Ensaios
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Ele relembra que os poemas líricos da Grécia antiga e dos trovadores provençais, hoje exemplos canonizados de poesia, eram letras de música. Atualizando e aproximando a discussão para nós, menciona "Letra Só", que reúne as letras de Caetano, como exemplo de "um grande livro de poemas".

O importante é que, com este livro, Antonio Cicero segue uma tradição de poetas-críticos que refletem sobre seu ofício e a relevância da poesia (seu caráter de arte, não de passatempo e entretenimento). Coisa rara hoje em dia, quando o poema costuma aparecer "disfarçado" na forma de prosa empilhada em linhas, numa cena literária onde sobra pose e falta, muitas vezes, poesia.


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