Folha de S. Paulo


CRÍTICA

'Poesia sem Fim', de Jodorowsky, atinge o sublime e o infame

Pascale Montandon /Divulgação
Cena de 'Poesia sem Fim', de Alejandro Jodorowsky
Cena de 'Poesia sem Fim', de Alejandro Jodorowsky

POESIA SEM FIM (muito bom)
(Poesía Sin fin)
DIREÇÃO Alejandro Jodorowsky
ELENCO Adan Jodorowsky, Brontis Jodorowsky, Leandro Taub
PRODUÇÃO Chile/França, 2016, 16 anos
Veja salas e horários de exibição.

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Instituição do cinema chileno, Alejandro Jodorowsky, nascido em 1929, logo se tornou um cineasta internacional. Seus três primeiros longas são mexicanos, e muitos ainda os consideram seus melhores momentos no cinema: "Fando e Lis" (1968), "O Topo" (1970) e "A Montanha Sagrada" (1973).

Após mais três longas, dos quais o melhor é "Santa Sangre" (1989) e o mais curioso é "O Ladrão do Arco-Íris" (1990), com Omar Sharif e Peter O'Toole, Jodorowsky amargou um certo ostracismo.

Ficou por algum tempo mais conhecido como tarólogo do que como cineasta (menos, obviamente, entre os fãs ardorosos que adquiriu ao longo da carreira).

Essa situação mudou um pouco com "A Dança da Realidade" (2013), primeiro de cinco filmes que pretendem passar a limpo sua vida de forma poética. O pequeno Jodorowsky cresce em meio a personagens surrealistas, incluindo uma mãe que se comunica exclusivamente como se estivesse numa ópera e um pai tirânico, retratado como um nazista.

O segundo longa da série surge em 2016 e estreia agora nos cinemas brasileiros. Chama-se "Poesia sem Fim". A continuação não é só narrativa e temática: todo o aspecto visual é o mesmo, assim como o clima delirante e os movimentos de câmera ostensivos.

Vemos o alter ego do autor já como um jovem poeta, então com 20 anos, descobrindo amizades, rivais, e livrando-se da sombra do pai. O próprio Jodorowsky continua aparecendo como a consciência do protagonista, num dos rasgos de poesia mais interessantes desses filmes.

Aos achados do filme anterior podemos acrescentar uma melhor dosagem da loucura e o surgimento de homens vestidos todos de negro manipulando objetos de cena, como no bunraku (teatro de bonecos japonês). O recurso já havia sido usado, brilhantemente, em "Duplo Suicídio em Amijima" (1969), do cineasta da nouvelle vague japonesa Masahiro Shinoda.

Percebe-se que os anos de ostracismo deixaram Jodorowsky um tanto duro, o que atrapalhava consideravelmente "A Dança da Realidade". "Poesia sem Fim" é mais belo e coeso. Por mais que esse tipo de filme peça, em parte, uma falta de coesão intencional, uma construção mais disparatada e arriscada, faltava algum equilíbrio em toda a loucura.

Pode parecer contraditório, mas assim é o cinema do diretor: ao mesmo tempo em que quase tudo é exacerbado (cores, interpretações, apresentação de situações e personagens), há espaço para sutilezas saídas de sei lá onde, seja num breve e improvisado teatro com marionetes, na maneira de mostrar o suicídio de um jovem homossexual ou na belíssima sequência final.

Jodorowsky atinge tanto o sublime quanto o infame, e por vezes chega perto da abjeção. Mas é muito melhor estar nessa gangorra do que dentro do calculado cinema de fórmulas que domina o circuito comercial.

Trailer do filme com legendas em português de Portugal

Trailer do filme com legendas em português de Portugal


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