Folha de S. Paulo


João Gilberto é pressionado a decidir sobre empréstimo de R$ 5 milhões

João Wainer - 29.set.1999/Folhapress
João Gilberto critica o sistema de som do Credicard Hall na abertura da casa, em 1999
João Gilberto critica o sistema de som do Credicard Hall na abertura da casa, em 1999

Há anos enfrentando sérios problemas financeiros, João Gilberto, 86, o ícone da bossa nova, tem sido pressionado em direções opostas por seus familiares para decidir se pega ou não um empréstimo de R$ 5 milhões do banco Opportunity.

De um lado está Claudia Faissol, mãe de sua filha caçula e hoje a presença mais constante em sua vida. Ela é a favor da negociação, que vê como último recurso para dar um respiro às finanças do artista, e tem um acordo com o banco para intermediá-la.

Do outro estão os filhos mais velhos de João, João Marcelo e Bebel Gilberto. Eles consideram o contrato abusivo, acusam Claudia de ter interesses econômicos na transação e acionaram advogados para agir contra o negócio.

Para entender a gênese do problema, é preciso retroceder a abril de 2013, quando João Gilberto assinou um acordo com o Opportunity.

Àquela altura, o cantor vivia uma fase de penúria: em 2011, cancelara uma turnê, alegando problemas de saúde. Como recebera adiantamentos milionários e não os devolveu, foi processado e perdeu.

"Antes de precisarmos fechar o negócio com o Opportunity, recorri a toda a malha governamental. Houve improbidade pública por parte do governo, que não ajudou a cuidar de um bem imaterial da cultura brasileira e mundial", diz Claudia. "Os filhos não fizeram nada melhor, só criticaram a situação."

O contrato, ao qual a Folha teve acesso, previa um empréstimo de R$ 10 milhões em duas parcelas iguais, sendo que R$ 500 mil do total iriam para o advogado de João. A primeira foi paga na data da assinatura; a segunda ainda não saiu e é o foco da discórdia.

Pelo empréstimo, o banco levou 60% dos direitos autorais dos quatro primeiros discos de João, tornando-se responsável por administrá-los.

O Opportunity também assumiu uma briga judicial que se arrasta há mais de 20 anos, contra a gravadora EMI, por royalties não pagos e lançamentos de CDs não autorizados, e ficará com metade da indenização. O valor ainda será determinado pela Justiça. Da metade que caberá a João será descontado o adiantamento (até agora, R$ 5 milhões), com juros de 6% ao ano.

Para intermediar essa negociação, Claudia assinou um contrato pelo qual levará 5% da parte da indenização que cabe ao Opportunity e 10% da parte dos direitos autorais que ficaram com o banco.

"Ela enganou um senhor de idade e roubou seu futuro. Meu pai está quebrado. O lugar dela é na cadeia", disse João Marcelo Gilberto, por e-mail. Sua irmã Bebel preferiu não falar com a Folha. "Todos os percentuais foram negociados entre o banco e o advogado responsável à época", disse Claudia, por e-mail.

Para receber os R$ 5 milhões da segunda parcela do adiantamento, João Gilberto deveria ter criado a Sociedade João, empresa na qual o Opportunity teria participação.

Mas o cantor não levou a burocracia adiante. Uma alternativa lhe foi oferecida: que ele conseguisse a anuência formal de seus três herdeiros em relação ao contrato.

A caçula Luisa, 12, representada por Claudia, e o primogênito João Marcelo concordaram, mas Bebel, não –posteriormente, conseguiria mudar a opinião do irmão.

Uma terceira saída foi negociada, com aval de João: bastaria a ele assinar um atestado de que recebeu os R$ 5 milhões restantes. Convencido pelos filhos mais velhos, no entanto, não o fez até agora.

Em tese, essa indefinição não faz diferença para o banco: os termos do contrato já se aplicavam com a assinatura que firmou o primeiro empréstimo. Tanto assim que seus advogados já assumiram a defesa de João contra a EMI. "Diversas vitórias importantes nos tribunais já foram obtidas", afirmou o Opportunity.

Não é o que diz Claudia. "A morosidade do processo contra a EMI em muito tem prejudicado o artista, deixando parte importante da obra em estado de desleixo e dando margem à contrafação."

Ela acusa o banco de não cuidar da gestão dos direitos autorais, como deveria fazer desde que levou 60% deles. Sem isso, uma fonte de renda para João segue inexplorada.

Em resposta, o Opportunity diz que "já investiu quantia superior a R$ 8 milhões no projeto, o que possibilitou elevar o potencial de exploração das obras", mas não detalha esse investimento.

HOLOGRAMA DE JOÃO

A discussão sobre o contrato é apenas uma das que opõem os familiares do músico. João Marcelo afirma que objetos valiosos sumiram do apartamento de seu pai, incluindo violões, ternos e gravações de shows. Claudia diz ter sido ela quem o avisou sobre isso, o que ele nega. O dono dos itens não deu queixa à polícia.

O primogênito também ficou irado ao saber que ela negocia a criação de um holograma de João Gilberto. "Foi uma surpresa, nunca vi um show em holograma de um artista vivo. E um susto com as altas cotas de patrocínio que foram oferecidas ao mercado."

"O holograma é uma ideia para perpetuar a obra de João e trazer a ele a dignidade com a qual merece viver", responde Claudia. "Esse projeto ainda está em fase de elaboração, mas não houve negociação com investidores."

Se há algo em que ambos concordam é quanto ao desgaste que esse tipo de discussão causa em João Gilberto.

Claudia, ainda a mais próxima do artista –os filhos vivem principalmente em Nova York–, diz que ele já manifestou várias vezes seu desgosto com o comportamento belicoso dos parentes.

"Ela foi a destruição dele. Sinto que estou desrespeitando-o ao falar disso, mas chega um ponto em que não falar em sua defesa é um desrespeito maior", diz João Marcelo.


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