Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Com superfície divertida, 'Okja' faz duro ataque à indústria alimentícia

Divulgação
Mikha (Ahn Seo-Hyun) e sua porquinha de seis toneladas em 'Okja
Mikha (Ahn Seo-Hyun) e sua porquinha de seis toneladas em 'Okja'

OKJA (muito bom)
DIREÇÃO Bong Joon-ho
ELENCO Tilda Swinton, Paul Dano, Ahn Seo-Hyun
PRODUÇÃO Coreia do Sul/EUA, 2017, 14 anos
ONDE Netflix

*

Um alerta aos que apreciam lombo à mineira, linguiça suína bem frita ou não temem as alturas do colesterol de um leitão à pururuca: "Okja" não vai agradar a seus paladares.

O filme que acaba de entrar no catálogo da Netflix guarda sob o disfarce de fantasia com bicho fofo uma crítica feroz à indústria alimentícia e ao modo como sobrevivemos à custa da matança de seres vivos.

A exibição de "Okja" na competição do Festival de Cannes, em maio, provocou mais barulho pelo fato de o filme ser uma produção Netflix que, portanto, não seria lançada nos cinemas. As vaias do seleto público do festival não tiveram como alvo o resultado do trabalho do sul-coreano Bong Joon-ho, mas o modelo Netflix de distribuição.

Passado o rumor, é importante reconsiderar que a hierarquia tradicional de cinemas-DVD-TV está em mutação acelerada e não deixa de ser positivo que a Nova Hollywood, representada pela Netflix e pela Amazon, esteja investindo em projetos de realizadores como Bong, que sabem inocular sabor (ou veneno) no cinema fast-food.

"Okja" fala de comida, de consumo e do mundo saturado em que vivemos. A trama simples contrapõe os superpoderes da Mirando, uma corporação, à vida simples de Mikha, uma garotinha coreana que vive nas montanhas.

De um lado, está o capitalismo, com sua lógica de resultados que não se preocupa com os danos. De outro, a natureza, que só sobrevive quanto mais estiver fora do alcance predatório.

De um extremo a outro, opera uma organização terrorista que cria situações para libertar animais.

Essa oposição simplória é ultrapassada pela presença de Okja, um superporco transgênico criado pela Mirando, mas que cresce livre nas montanhas ao lado de Mikha, como as diversas encarnações da cadela Lassie, o cavalo de "O Corcel Negro" e tantos outros personagens animais do cinema.

Bong não contraria as convenções e faz um filme recheado de ação e que pode ser consumido sem indigestão por quem prefere torcer pela vítima, vibrar quando o vilão é desmascarado e chorar quando os fracos têm vez.

Porém, desde "Memórias de um Assassino" (2003) e "O Hospedeiro" (2006) o diretor coreano demonstra desenvoltura para contaminar gêneros populares com inquietações sobre a família, a solidão e a exclusão. "Okja" segue esse padrão, com uma superfície divertida e camadas que incomodam.

Sua disseminação na Netflix pode não provocar uma epidemia de vegetarianismo. Mas suas cenas mais fortes deixarão muitos carnívoros com um bocado de culpa.

Assista ao trailer de "Okja"

Assista ao trailer de "Okja"


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