Folha de S. Paulo


Depoimento

Leonilson não aceitava o fim no início do seu reconhecimento

Quando o convidei para ilustrar o pedacinho de céu que o publisher Matinas Suzuki generosamente me cedeu –em um novo caderno que se chamaria "São Paulo" e depois viria a ser incorporado ao caderno "Cotidiano"–, eu não vislumbrava que, 20 anos mais tarde, iria inaugurar nova função como redatora de textos para catálogos de exposição e introduções de livros de arte falando de um amigo de juventude.

O Zé, que para mim era Leo e para o resto do país acabou se tornando o maior artista plástico de sua geração, ganha agora um catálogo raisonné em três ricos volumes.

José Leonilson (1957-1993) estaria comemorando 60 anos em 2017. Seria a entrada em uma etapa da vida que os japoneses celebram a volta para a alegria da infância.

Se a obra de Leonilson ganhou quilometragem, volume e reconhecimento de sua morte em 1993 até aqui, o artista, desafortunadamente, não teve a mesma sorte.

Três anos depois que Leonilson começou sua parceria comigo e com a Folha, morreu em decorrência da Aids.

Foram duríssimos seus últimos meses, ele estava inconformado, não aceitava a finalidade da sua existência justamente quando sua obra começava a ser reconhecida no mundo todo, e ele fazia a transição de jovem promissor para homem feito.

As últimas duas ilustrações que José Leonilson fez para a minha coluna "Talk of the Town" eu não consegui encarar, escondi de todos e depois piquei em mil pedaços.

Hoje, em face do que se tornou o projeto Leonilson, que reúne, cataloga e promove o trabalho do artista, eu até me arrependo por destruir um registro do artista que poderia ser documentado.

Quando estava internado em fase terminal, o Leo me enviava suas ilustrações do hospital, invariavelmente, toda quarta-feira. Não houve semana em que falhasse. Ele pedia suas canetas de nanquim e, da cama, improvisava uma ilustração. Conseguiu cumprir a rotina até as últimas duas semanas de vida.

Os dois derradeiros desenhos que me enviou eram garranchos confusos de poucas linhas, sem consistência ou qualquer conexão com a consciência.

O Leo já estava se esvaindo e eu não quis que ninguém mais, além do Eduardo Brandão, editor de arte, e eu, fosse submetido ao seu penoso crepúsculo. A experiência era dolorosa demais para ser compartilhada.


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