Folha de S. Paulo


Indústria empaca quando há tamanho, raça e gênero no meio, diz Beth Ditto

Beth Ditto não tinha planos para gravar seu primeiro álbum solo. Quando entrou no estúdio, anos atrás, Ditto, cantora de voz forte e expoente do feminismo e do glamour, planejava um novo disco do Gossip, o trio de punk-disco que ela lidera desde 1999.

Mas não foi o que aconteceu. Nathan Howdeshell, cofundador da banda, havia voltado para o Estado natal dos dois, o Arkansas, e as canções em que Ditto estava trabalhando em Los Angeles com compositores profissionais não tinham muito em comum com a música do Gossip.

"É como fazer um sanduíche para outra pessoa sem saber o que ela gosta de comer", disse Ditto. "É, tipo, não quero perder tempo fazendo um almoço que a pessoa talvez não vá comer, não quero desperdiçar toda essa comida."

A banda se dissolveu, e Ditto decidiu que seguiria em frente sozinha.

"Era mais sólido, e parecia mais calmo", disse.

Andrew Spear/The New York Times
A cantora Beth Ditto no hotel The Westin, em Columbus, Ohio (EUA), em 10/6
A cantora Beth Ditto no hotel The Westin, em Columbus, Ohio (EUA), em 10/6

Com a ajuda da produtora e compositora Jennifer Decilveo, Ditto compôs quase 80 canções. As 12 que formam "Fake Sugar", álbum lançado em 16 de junho, têm melodias dançáveis e que lembram os girl groups do começo dos anos 1960, jargão sulista nas letras, e um balanço de rock de garagem, como em "Fire", o primeiro single do álbum.

Entre trabalhos, Ditto desfrutou de sua lua de mel com o mundo da moda. Ela desfilou para Marc Jacobs e criou uma linha de roupas que leva seu nome, para mulheres plus size. Depois de anos usando cabelos curtos e negros, ela agora os tem castanhos e longos. "Eu queria que tudo fosse colorido, fluísse, fosse livre."

Para "Fake Sugar", Ditto se inspirou em seu relacionamento com Kristen Ogata, com quem está casada há quatro anos; em sua primeira visita a Graceland (e no álbum "Graceland", de Paul Simon); e em artistas seminais do punk como Alan Vega, do Suicide, para quem ela escreveu uma canção, "Go Baby Go". Ela deu esta entrevista por telefone, de Minneapolis e Dallas, onde estava tocando.

(Nesta última cidade, sua família a apanhou de surpresa com uma visita aos bastidores, e sua sobrinha de 11 anos subiu ao palco com ela para cantar uma canção.) Abaixo, trechos editados da conversa.

Quando Nathan decidiu sair, você pensou em formar uma nova banda ou em levar o Gossip em direção diferente?
Nunca pensei em formar outra banda ou em substituir o Nathan. Sou leal ao Gossip. Não era como uma parceria criativa daquelas em que as pessoas brigam sobre o som das canções –nunca brigamos sobre esse tipo de coisas, nunca. Era mais como uma família. Sempre brincamos sobre aquelas pessoas que dizem que "o que importa é a música, cara", enquanto nós diríamos que "não, muito mais coisas importam".

Você tinha um som em mente para o novo álbum?
Eu não queria gravar um disco de soul; não queria pegar carona no estilo dos outros. Queria fazer um disco que não fosse cool. Queria riffs fortes de guitarra e barulhos legais.

O disco tem algumas canções sexy, mas também tem letras mais duras, sobre a dificuldade do amor adulto.
Boa parte das canções são sobre estar insegura, estar casada e o quanto esse tipo de coisa pode ser assustador, confiar sua vida toda a outra pessoa. Uma das melhores coisas sobre compor, acredito, é a cápsula do tempo que isso oferece, mostrando o que você sentia naquele momento.

Como você, uma artista punk e homossexual, se sente sobre fazer seu trabalho na era Trump?
Esse governo, o estado político do planeta, é tão pesado. Nem sei por onde começar. Honestamente, há momentos em que me faltam palavras. Sinto tanta ansiedade e tanta raiva que é difícil manter o foco. O que é que está acontecendo de certo? Nada! É literalmente ultrajante! Mas eu me sinto forte e inspirada por aquilo que as pessoas que me cercam estão fazendo. Minhas sobrinhas, minha mãe e minha irmã participaram da marcha das mulheres em Little Rock. Sinto-me positiva sobre o futuro do ativismo. Sou definitivamente parte da resistência.

O disco tem ótimas gírias sulistas, como "yankee dime" [um beijo]. Você tem mais algumas?
"Gimme sugars", claro, é um beijo de despedida. "Hug my neck", um abraço. "You been sucking hind teat on a warthog" –sua cara está suja. Essa pode ser abreviada para "sucking hind teat".

Sua linha de roupas vai voltar?
Acho que não. Veremos o que acontece. Para mim, foi um trabalho feito com amor, mas nada fácil. Não é como se estivéssemos prontos a atrair investidores. Não sei se seria possível encontrá-los. Tentamos fazer as coisas da maneira certa, da maneira que achávamos ética, e foi muito, muito difícil. Se eu trabalhasse com um grupo de pessoas, talvez fosse mais fácil, mas sou controladora demais com relação à estética.

Você acha que a indústria da moda está progredindo na direção da diversidade?
A indústria da moda nunca avança o suficiente quando assuntos como tamanho, visibilidade, raça e gênero estão envolvidos. Mas certamente avança mais que a música, sinceramente. O que é mais empolgante é que não estamos esperando que as coisas mudem. O poder das pessoas que fazem as coisas por conta própria não pode ser ignorado.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Assista ao videoclipe da música "Fire"

"Fire", de Beth Ditto


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