Folha de S. Paulo


Primeiras gerações de fotógrafos da Magnum capturavam naturalidade

O fotógrafo Elliott Erwitt, 88, entra em seu escritório, de frente para o Central Park, em Nova York, usando andador de quatro rodas, com uma mini buzina que lembra Chacrinha.

Além de arquivos com negativos (em ordem alfabética), um confortável sofá de couro e uma camiseta preta com a frase em inglês "Cuidado! A manipulação digital acaba com a fotografia", o espaço tem molduras simples com parte de suas imagens favoritas.

Num dos cantos, fica um retrato da atriz Marilyn Monroe, com a cabeça jogada para trás, lábios entreabertos e a mão levemente tocando o pescoço, que Erwitt fez em 1956.

Em outras imagens, um retrovisor revela um casal se beijando (1955), e um chihuahua, com a língua para a fora, olhando diretamente para a câmera Leica, ao lado dos pés de sua dona. Erwitt capturou o momento em 1946, a um quarteirão do local em que concedeu entrevista à Folha.

Ele é apaixonado por cachorros, retratos inusuais, imagens em preto e branco, tem restrições com fotografias digitais e acompanha as redes sociais à distância.

"Em filme, principalmente em P&B, você geralmente consegue criar, ao mesmo tempo, uma imagem esteticamente forte e que apresenta um diálogo econômico", explica.

Erwitt carrega um iPhone no bolso, mas afirma que não sabe usar a câmera do objeto. "Geralmente, aperto o botão errado." Às vezes, vê fotos no Instagram por meio dos filhos. Mas diz não esperar que um novo Robert Capa ou Henri Cartier-Bresson surja de aplicativos de imagens. "O fato de você ter um alguns lápis e folhas em branco à disposição não o torna um escritor".

Nascido em Paris em 1928, com infância passada em Milão, Erwitt chegou aos EUA nos anos 1940 e, uma década depois, entrou na Magnum.

"O escritório de Nova York era como uma fraternidade, um grupo seleto de futuros grandes fotógrafos, todos hoje no paraíso", relata Erwitt. "Para um jovem fotógrafo como eu, ser aceito num grupo desses, teve grande significância", continua o fotógrafo que, anos mais tarde, se tornaria o presidente de agência.

Foi o economista e também fotógrafo americano Roy Stryker (1893-1975) quem o pautou para o primeiro grande trabalho, na reconstrução de parte de Pittsburgh (Erwitt encontrou fotos inéditas deste trabalho numa biblioteca e lançará um livro em julho nos EUA).

Ele também produziu para retratos icônicos de nomes como John F. Kennedy e Che Guevara. "O interesse das primeiras e segunda gerações de fotógrafos na Magnum foi sempre o de capturar uma situação não posada, que flagrasse a condição humana em seus mais diversos estados, como beleza, tristeza, saudade."

E completa: "sabíamos que estávamos na direção certa quando uma foto comunicava esses sentimentos. A fotografia atual é repleta de excessos e isso não me interessa".

Entre suas imagens mais famosas está o encontro de Richard Nixon com Nikita Kruschev, em 1959, na qual o americano aparece com o dedo em riste para o líder soviético.

"Sabia que tinha capturado uma cena não muito usual. Mas, só fui saber que ela seria importante, como em 99% das vezes, na revelação."

Na década de 1960, no Brasil, fez imagens de Brasília e do Carnaval do Rio. Em Búzios ("a linda Saint Tropez brasileira, um dos melhores locais do mundo para pegar bronze"), produziu célebres fotos com cachorros na praia.

"Cães são amigáveis, seres positivos, naturais com a câmera, sem problemas de vaidade e nunca te ligam para pedir uma cópia da foto." Uma seleção de imagens caninas fazem parte da exposição "Elliott Erwitt, Vida de Cão", com curadoria de João Kulcsár, e que abre em 3/7, às 19h30, na Galeria do Sesi, em São Paulo.

Em julho sairá um livro com fotos de cachorros nos EUA e Erwitt vai expor em Paris, Los Angeles, além de Finlândia, Itália e Cuba, terra natal de seu cão de fazenda, Canelo.


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