Folha de S. Paulo


Trans de 'Divinas Divas' debatem avanços, sustento e religião

Marcus Leoni / Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 19.06.17 22h Debate na pre-estreia promovida pela Folha do filme
Da esq. para dir., as atrizes Divina Valeria, Jane Di Castro, Rogeria, Camille K e Eloina dos Leopardos

A reação conservadora a transexuais hoje vem mais da sociedade que do governo, dizem as artistas retratadas no documentário "Divinas Divas", que chegaram ao estrelato em plena ditadura militar.

Mas, apesar de ainda enfrentar duros obstáculos, a população trans é mais aceita, apontaram em debate após sessão de pré-estreia do filme promovida pela Folha nesta segunda (19) no Espaço Itaú Frei Caneca.

Leandra Leal, diretora do documentário, afirmou que a evolução se nota com nomes novos que vêm quebrando barreiras de gênero e ascendendo na cena musical. "Hoje temos gente como [a banda] As Bahias e a Cozinha Mineira, Liniker, Pabllo Vittar fazendo o maior sucesso", disse ela. "Também são um avanço as duas personagens trans na novela das oito da Globo."

Jane Di Castro, que participou de três capítulos da novela em questão, "A Força do Querer", afirmou não sentir mais a discriminação de outrora nos bastidores da Globo e no meio artístico em geral.

Rogéria, 74, que gosta de se definir como "a travesti da família brasileira", hoje tem uma visão diferente de quem a olha de cima pra baixo: "Não é preconceito, é despeito".

No debate, as cinco presentes concordaram que atualmente há menos visibilidade para shows de transformistas do que no boom dos anos 1960 e 70, mas mostraram suas divergências quando questionadas sobre a capacidade de pagar as contas.

Enquanto Jane Di Castro disse nunca ter conseguido se sustentar só com suas apresentações nos palcos, investindo no trabalho de cabeleireira, Divina Valéria afirmou não ter do que reclamar nesse aspecto.

Segundo ela, sempre há demandas para shows de artistas em drag. "Estive no último ano num tour por Uruguai, pela Argentina. Se no Brasil não tiver trabalho, algum lugar do mundo vai ter, graças a Deus."

A religiosidade, aliás, foi um ponto unânime entre elas –ainda que professassem fés diferentes. "Sou católica e vou todos os dias à igreja antes do trabalho para agradecer e pedir pelo meu dia", disse Eloína dos Leopardos, que hoje trabalha no Bar da Dona Onça, no térreo do Edifício Copan.

"Eu sou uma beata", brincou Camille K. "Todo dia rezo um terço inteiro para as minhas amigas."

A única a mostrar problemas com religião foi Jane Di Castro, que contou ter sido expulsa de um culto quando adolescente. "Eu era muito evangélica quando criança, até levei minha família para essa igreja. Hoje não gosto dessa religião, mas só porque tive essa experiência humilhante. Respeito muito todas as outras."

No meio da plateia lotada, marcaram presença artistas trans como Nany People e Silvetty Montilla –que ressaltaram o papel fundamental das artistas do filme em abrir as portas para travestis brasileiras se fazerem notadas.

O debate foi mediado pela jornalista Anna Virginia Balloussier, da Folha.


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