Folha de S. Paulo


Poeta português Ernesto de Melo e Castro ganha exposição em São Paulo

Marcelo Justo/Folhapress
O poeta português Ernesto de Melo e Castro em sua casa, em São Paulo
O poeta português Ernesto de Melo e Castro em sua casa, em São Paulo

Ernesto de Melo e Castro, ou E. M. de Melo e Castro, como assina, é o rosto tutelar da poesia de vanguarda lusitana surgida a partir dos anos 1960.

Aos 85 anos, ele, que há 20 vive no Brasil, ainda dá continuidade a uma obra diversificada, dividida entre ensaio e poesia –na qual cabem infopoesia, poesia erótica, performances e até fractais.

Na sua terra natal, uma grande exposição, "O Caminho do Leve", foi organizada em 2006 no prestigioso Museu de Serralves, dando oportunidade a seus conterrâneos de fazer o balanço de um percurso singular.

Neste domingo (11), ele ganha uma mostra também na terra que escolheu para viver. "Tempo: Ilusão Imprecisa" será inaugurada no Consulado Geral de Portugal em São Paulo. Na mostra, exemplos de sua obra, que ao longo de seis décadas se consolidou em torno da experimentação (e que também pode ser conhecida aqui:www.po-ex.net ).

E. M. de Melo e Castro estabeleceu um diálogo contínuo com os poetas concretos paulistas, ajudando na sua divulgação na Europa –um volume produzido para a exposição brasileira enfoca sua relação com Haroldo de Campos (1929-2003).

Leia a seguir entrevista com o poeta.

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Folha - Sua obra começa nos anos 1950, quando o cenário português era composto por escritores neorrealistas, surrealistas, descendentes do lirismo ligado à revista "Presença". Conte de seu início.
E. M. de Melo e Castro - Em 1952, fui para a Inglaterra estudar engenharia têxtil. Sabia que ser escritor não me garantia o futuro como queria. Decidi que mergulharia fundo na engenharia para depois poder me dedicar integralmente à poesia e realizar o que queria.

Como foi o regresso para Portugal, após os estudos?
Após a conclusão, levei para lá um livro novo de poemas, "A Ignorância da Alma". Publiquei-o com meu dinheiro, e chegou a provocar um pequeno tremor em Lisboa. Um crítico afirmou que eu entrava na poesia como um "rinoceronte no jardim". Encontrei uma tarde com o poeta surrealista Mário Cesariny e lhe falei sobre isso. Ele riu e disse-me: "Mas é o melhor que te pode acontecer"...

É dessa época, também, a célebre antologia que publicou e que criou muito alvoroço em Portugal, a "Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa"?
No período inglês, eu e minha primeira mulher, Maria Alberta Menéres, estudamos a evolução da poesia em Portugal. Muitos autores nos enviaram várias coisas. Quando regressamos, pensamos que tínhamos um acervo e bastante informação sobre aquilo que chamamos "novíssima poesia portuguesa" e resolvemos publicar o livro. Teve várias peripécias até sair. Chegou a vender muito, teve cinco edições, um verdadeiro êxito.

Nos anos 1960, começa o intercâmbio com o Brasil. É aí que estabelece contato com os concretistas brasileiros?
Creio que foi o antigo secretário da Embaixada brasileira em Lisboa, o poeta Alberto da Costa e Silva, que publicou uma antologia dos concretos lá, e que causou um terremoto, nos tornamos próximos.

Desde miúdo adorava a ideia de uma terra muito grande do outro lado do Atlântico, que falava a mesma língua. Li muitos jornais juvenis que chegavam do Brasil. Meu pai comprava essas publicações e eu lia. Interrogava-me como era possível uma terra imensa do outro lado do mundo, com escritores extraordinários e poetas notabilíssimos.

Houve reação do meio literário português, pois seu trabalho já enveredara pela mesma linha experimental?
Foi ótima, mas só entre os poetas mais avançados, os outros não gostaram muito do que viram. Faço-lhe um panorama muito simples. Os neorrealistas diziam que eu era fascista. Depois retiraram isso e afirmaram que eu era uma "infiltração capitalista".

Mas teve problemas com o regime salazarista (1933-1974).
Houve denúncias de um padre da Covilhã (região centro norte lusitana). Quando lá vivi, fiz contatos com associações de trabalhadores, sindicatos, grêmios culturais. Acreditava mais neles do que nos patrões, com quem trabalhava. Fui chamado durante quase um ano à polícia. A cada 15 dias vinha uma equipe da Pide [polícia de Salazar] até a Covilhã. Três figuras me interrogavam; nunca foram violentos, me chamavam "o professor", pois dava aulas naquela altura na escola têxtil.

Seu trabalho foi censurado?
Meus artigos foram sistematicamente censurados, até havia alguns censores que se permitiam corrigir o texto, emendavam. Eu cheguei a escrever coisas de propósito para eles censurarem...

Como se deu a oportunidade de conhecer o Brasil?
Quando o Alberto da Costa e Silva foi transferido, ficou em seu lugar o escritor Álvaro Lins. Nessa altura, a Embaixada do Brasil queria aproximar os escritores de ambos os países. Chamaram a Sophia [de Mello Breyner] e eu para saber se aceitávamos uma bolsa de estudos com viagem paga e estadia. A Sophia viajou primeiro; a seguir fui eu.

E como foi essa viagem?
A estadia era de três semanas, mas acabei por ficar um mês, viajei pelo Rio, Belo Horizonte e São Paulo. Conheci o Murilo Rubião, os irmãos Campos, Décio Pignatari, Edgar Braga. O Pedro Xisto serviu-me de guia em São Paulo. No Rio, conheci o Wlademir Dias-Pino. Em Minas, o Afonso Ávila e seu filho, Carlos Ávila, que ainda era pequeno.

A receptividade foi ótima, sempre com mais intensidade com Haroldo de Campos. Foi um mestre para mim, até o fim da vida.

Criou então uma espécie de ponte entre escritores brasileiros e portugueses?
O Haroldo costumava dizer que não nos correspondíamos por cartas, mas por coisas feitas, enviando e trocando livros. Mas depois organizei uma "Antologia da Poesia Concreta" [Assírio & Alvim].

Você explorou todos os suportes, fez infopoesia, performances, poesia erótica; trabalhou os fractais, vídeos, fez releituras. Trata-se de uma obra vasta e dinâmica. Hoje, o que instiga a sua criatividade?
O mesmo que sempre me interessou, que é a vida e o homem. Embora tenha chegado a algumas conclusões. Uma delas, talvez a mais importante, é que um bom poema é mais eficaz que um discurso político. O poema precisa ser bom e isso a gente não pode garantir. Hoje, quando escrevo, não consigo distinguir o que é poesia experimental ou discurso linear comum, para mim tudo é o mesmo.

Como vê o panorama atual da poesia experimental?
Em Portugal está-se a dar um revisionismo das posições que havia nos anos 1960. Aqui também acontece um pouco. Mas lá, e essa é a novidade, a poesia experimental está a ser muito estudada no meio universitário. Estão sempre a organizar encontros, seminários, publicações, exposições.

Sua obra então está chamando a atenção das novas gerações?
Sempre disse isso, e agora está se confirmando. Sou um homem do século 21.

Passou a viver no Brasil em meados dos anos 90, e decidiu fazer um doutorado, em seguida um pós-doutorado, já com idade avançada. Por quê?
Fiz um doutorado na USP e um pós na UFMG. Queria fazer uma equivalência do meu doutorado, e foi-me negado em Portugal. Isso acontece comumente, por causa de um ponto de classificação. Depois falam em amizade luso-brasileira... O pessoal da USP ficou espantado, porque não sabia desse obstáculo burocrático.

Escolhi como tema o estudo comparativo entre a poesia dos países de língua portuguesa, incluindo África. O pós foi sobre o paganismo em Fernando Pessoa. Em Portugal, as coisas do Pessoa estão todas publicadas, mas depois não estudam, e quando aparece alguém a estudar, ficam indignados.

Em 60 anos de percurso poético, assistiu a muitas transformações tecnológicas, culturais. Quais as transformações sociais acha que ocorreram?
A maior transformação somos nós próprios. Estamos a viver num mundo completamente regido pelas novas tecnologias. Toda tecnologia tem duas faces. A teoria dos desastres explica isso: navios afundam, aviões caem, a corrente elétrica pode matar. É preciso saber dominar os meios tecnológicos. Apesar da idade, dou-me bem com as coisas tecnológicas. Minha poesia é reflexo desse processo.

TEMPO: ILUSÃO IMPRECISA
QUANDO: hoje, às 15h; de seg. a sáb., das 10h às 18h, até 5/8
ONDE: Consulado Geral de Portugal, r. Canadá, 324, tel. 3084-1800
QUANTO: grátis


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