Folha de S. Paulo


Apolítico, programa de Jimmy Fallon sofre queda de audiência

Bryan Derballa/The New York Times
Jimmy Fallon na marquise do Rockefeller Center, onde seu programa é gravado
Jimmy Fallon na marquise do Rockefeller Center, onde seu programa é gravado

Entrando no set decorado em estilo art déco que serve de cenário ao "Tonight Show", para ensaiar seu monólogo na tarde de uma segunda, Jimmy Fallon cumprimentou a plateia do Studio 6B calorosamente, antes de testar uma série de novas piadas sobre a eleição francesa e o astro pop Harry Styles.

Vestido de modo casual e ostentando um sorriso juvenil, Fallon expôs a visão que governa o seu talk show. "Vou zombar de tudo que eu possa zombar", ele disse à plateia. O programa noturno que estava passando por ajustes finais diante dos olhos deles, acrescentou o apresentador, foi concebido para que "vocês vão para a cama sorrindo e tenham sonhos agradáveis".

Em seguida, ele se aproximou da posição de palco na qual faz seu monólogo a cada noite e ressaltou que a marca no assoalho tinha o formato de um trevo de quatro folhas. "Sou irlandês", explicou Fallon, "e preciso de toda sorte que puder".

Era uma fala descartável, mas também uma autoavaliação precisa de Fallon, 42, que está há quatro anos no comando do "Tonight Show", o principal programa de fim de noite da NBC.

Ele está passando pela fase mais tumultuada de sua carreira no programa –uma situação pela qual Fallon mesmo é responsável, e que provoca questões sobre a capacidade do apresentador, polivalente mas apolítico, de sobreviver à era atual de entretenimento politizado e partidário, quando a única coisa que ele deseja é se divertir.

O "Tonight Show" no passado era líder inconteste entre os talk shows de final de noite nos Estados Unidos, com seu tratamento simpático para as celebridades participantes e fluxo infindável de piadas e jogos, mas vem perdendo audiência nos últimos meses.

Enquanto isso, Stephen Colbert, o concorrente abertamente politizado que comanda o "Late Show" na CBS, vem reduzindo cada vez mais a distância de quase 1 milhão de telespectadores que separava os dois programas.

O interesse ressurgido por uma programação mais esquerdista não ajuda Fallon, antigo astro do "Saturday Night Live" que criou reputação pela diversidade de seus talentos e pelas preferências similares à do público médio.

E Fallon está bem ciente de que os telespectadores já não o veem exatamente da mesma maneira, depois de uma entrevista com Trump em setembro que lhe valeu severas críticas pelo tom subserviente e amistoso adotado pelo apresentador. Em um gesto que veio a causar problemas, Fallon encerrou o quadro acariciando de leve os cabelos de Trump.

Fallon admite agora que a entrevista com Trump foi um revés, se não exatamente um erro, e parece ter absorvido ao menos em parte a raiva dirigida a ele por críticos e difamadores on-line.

"Eles têm direito de ficar com raiva", disse Fallon, contrito, em uma entrevista em maio. "Se decepcionei alguém, fico triste por não terem gostado. Entendo o ponto".

Andrew Lipovsky/AFP
Jimmy Fallon acaricia os cabelos de Donald Trump durante entrevista
Jimmy Fallon acaricia os cabelos de Donald Trump durante entrevista

Mas, se os acontecimentos causaram momentos de introspecção a Fallon, ele diz que mesmo assim não o compeliram a realizar grandes mudanças no "Tonight Show".

O programa continua lucrativo e conta com forte apoio dos anunciantes. Por isso, se Fallon está enfrentando uma crise, ela é de ordem existencial: o que acontecerá se a virada em direção a uma programação de final de noite mais abertamente partidária, e hostil a Trump, não for passageira? Se ela durar mais e tiver impacto maior do que as pessoas preveem, o que ele deseja que seu programa seja?

Fallon continua a acreditar que o programa deve funcionar como fonte de diversão e risadas para ampla gama de telespectadores, e que é essa a filosofia que deve orientá-lo em um período de intensa polarização.

"Não quero ser pressionado a me tornar uma pessoa que não sou, a fazer coisas que não acho engraçadas", disse. "Só porque algumas pessoas me atacam no Twitter, não vou mudar meu tipo de humor, ou o do programa."

FATOR COLBERT

Houve um período em que os duelos de dublagens de música e os bilhetes de agradecimento engraçadinhos de Fallon levaram o "Tonight Show" ao topo dos rankings de audiência. No final de 2016, o programa liderava com facilidade no seu horário, com cerca de 3,5 milhões de espectadores por noite.

Cerca de cinco meses mais tarde, Colbert vem superando Fallon em audiência a cada noite. Em uma semana recente, a média de telespectadores de Colbert foi de mais de 3 milhões de telespectadores, ante 2,7 milhões para Fallon.

O "Tonight Show" continua a liderar na cobiçada faixa etária dos 18 aos 49 anos, à qual os anunciantes conferem valor especial. "Não ligo e nunca liguei. Saberei que há algo de errado quando alguém me demitir", afirmou.

Mesmo assim, nas últimas semanas, enquanto Colbert atraía manchetes com uma piada obscena sobre Trump e o presidente russo Vladimir Putin, e Jimmy Kimmel, apresentador de "Jimmy Kimmel Live", na ABC, deflagrava um debate político ao narrar a história da cirurgia cardíaca de seu filho recém-nascido, a sensação era a de que Fallon já não consegue mais capturar o Zeitgeist com a mesma facilidade.

Mas, não importa que virtudes ou qualidades ele tenha, o que veio a definir Fallon, pelo menos nos últimos meses, foi a entrevista com Trump que ele exibiu em 15 de setembro do ano passado.

Mesmo em um dia turbulento para Trump, as questões de Fallon foram quase todas inócuas e, no fim, ele acariciou os cabelos do republicano. "Não o fiz para humanizá-lo", disse Fallon. "Eu o fiz quase para minimizá-lo. Não achei que o gesto fosse ser visto como cumprimento. Achei que as pessoas pensariam que eu enfim tinha feito o que sempre quis fazer."

Quando a entrevista foi ao ar, posts negativos em redes sociais deram lugar a avaliações hostis em publicações como a revista "Variety", na qual a crítica Sonia Saraya questionou: "Quem Fallon se recusaria a entrevistar do seu jeito sempre risonho e subserviente? Que linha ele não cruzaria?".

Lorne Michaels, criador de "Saturday Night Live" e produtor-executivo do "Tonight Show", disse que, na época da visita de Trump ao programa, o candidato era visto como fadado à derrota.

"Não acho que as pessoas acreditassem que ele fosse ganhar, que isso fosse possível", disse Michaels.

VIDA PÓS-TRUMP

Depois de se arrepender de ter perdido a oportunidade de se explicar para os telespectadores decepcionados, por fim Fallon decidiu que a única saída era continuar fazendo o programa como sempre fez. "Passei duas semanas dormindo mal, mas meu trabalho é fazer as pessoas rirem."

O "Tonight Show", um dos títulos lendários da NBC, no ar há mais de 60 anos, sempre exibiu um espírito de inclusão política e cultural, pelo menos desde 1962, quando Johnny Carson substituiu Jack Paar como apresentador.

"Johnny fez sucesso na hora, mas muitos críticos achavam que ele não fosse culturalmente relevante", disse Jay Leno, veterano apresentador do "Tonight Show" que precedeu Fallon no comando do programa. Fallon "provavelmente é o mais perto que alguém chegou de ser Johnny, em muito tempo", disse Leno. "Johnny tinha um jeito jovem, tocava diversos instrumentos, fazia truques de mágica. O que importava a ele era atrair o público de massa."

Steve Burke, presidente-executivo da NBC Universal, disse ter conversado com Fallon nas semanas posteriores aos protestos pela entrevista com Trump e encorajado o apresentador a seguir em frente. Ele disse que a queda de audiência no programa de Fallon não o incomodava.

"Aquele desempenho fervilhante teria de acabar em algum momento", disse Burke, "mas ele está muito acima da concorrência em termos de criatividade".

Burke e Robert Greenblatt, presidente do conselho da NBC Entertainment, disseram que não há instruções da empresa quanto a mudanças no "Tonight Show", e que Fallon tem ampla latitude para fazer o programa que desejar.

"Nós damos nossa opinião, mas não dizemos a ele o que fazer", disse Steve Burke, acrescentando que, "se o mundo se tornar um pouco mais irritadiço, a resposta não deve ser que Jimmy faça o mesmo". "A resposta é que Jimmy continue sendo Jimmy."


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