Folha de S. Paulo


Convidado da Flip, ex-punk islandês Sjón revê mitologia nórdica em livro

Na adolescência, por ser poeta, Sigurjón Birgir Sigurðsson resolveu tirar uma parte de si. O nome que escolheu, ao mesmo tempo "máscara e escudo contra o grande mundo lá fora", era um pedaço de seu primeiro nome: Sjón (pronuncia-se chion).

Em islandês, sua língua materna, o pseudônimo literário quer dizer "visão" (eis uma ironia; supõe-se que o pai dos poetas do Ocidente, Homero, era cego feito uma toupeira).

"A visão é algo que se volta para fora e para dentro de si. Como poeta, é preciso ter visão profunda. Ao escolher esse nome, mostro que o poeta é uma parte de mim", diz ele, que é um dos convidados da Flip este ano e lança no país "Pela Boca da Baleia".

No romance, Sjón recria a história de Jónas Pálmason, naturalista, poeta, cientista e curandeiro islandês do século 17, que foi perseguido sob acusação de feitiçaria.

É o período em que a Reforma Protestante chega à ilha gelada, no qual o catolicismo fica para trás -e os camponeses enterram imagens da Virgem Maria para rezarem escondidos.

"Em outros países, a Reforma foi uma espécie de iluminação. Na Islândia, ela trouxe escuridão. O sistema de bem-estar social católico foi destruído, quando os fazendeiros se livraram do dever de cuidar dos pobres."

Assim, o leitor vai acompanhar o exílio de Jónas na própria terra -nem ser levado para outro país ele consegue. Sjón apresenta o catolicismo misturado a práticas pagãs, numa narrativa influenciada por mitos nórdicos.

É curioso porque essa mitologia hoje parece restrita aos romances de fantasia e ao cinemão comercial. O autor, porém, não poderia ter uma origem mais diferente.

Apesar do ar arrumadinho, Sjón foi um punk de primeira geração em seu país ("Ainda nem se usava moicano, vestíamos umas roupas antigas, com cores estranhas").

Com amigos, criou o Medusa, grupo de poetas, músicos e artistas visuais influenciados pelo surrealismo, em 1979.

Seus ídolos eram David Bowie e Kraftwerk. O Medusa, que também tinha uma banda, foi um dos primeiros grupos a usar os sintetizadores de um modo mais agressivo na música islandesa, diz.

Ele próprio tem um pé na música, com canções compostas para Björk, por exemplo, além de ter concorrido ao Oscar em 2001, pela trilha de "Dançando no Escuro", do cineasta Lars von Trier.

Como um escritor criado sob a influência do radicalismo das vanguardas do século 20 se tornou um contador de histórias, ainda por cima influenciado pelo folclore?

A resposta de Sjón é interessante para ver os caminhos diferentes que vanguardas tomaram ao redor do mundo.

"Quando jovem, queria me rebelar contra as normas literárias do meu país. Tornar as coisas difíceis para você e para o leitor é uma escola pela qual se passa. Mas sabíamos que a cultura folclórica não era parte do cânone cultural. Era algo ao qual se podia aplicar técnicas da vanguarda. O punk é uma música folk com guitarra elétrica."

O surrealismo da juventude também está no livro, que em seus momentos mais poéticos atinge um estilo alucinatório. "Seu sangue havia sido diluído em água marinha, seixos se infiltraram em sua carne, raízes confundiram-se com seus tendões e seus músculos, o sêmen que se inflamava era espesso como teia de aranha e revolto como espuma do mar."

Ao explorar o pensamento de seu personagem do século 17, Sjón também enxergou traços do surrealismo ali.

"Ao tentar classificar a natureza, eles pensavam em dividir as criaturas pelas cores ou outros sistemas. O rato era parente da abelha, porque ambos tinham pelos curtos. Para escrever sobre isso, só buscando meus anos rebeldes."

O autor também conta que seu desejo de contar histórias foi influenciado pelo realismo mágico de Gabriel García Marquez, no qual vê a narrativa aliada a "avançadas técnicas literárias".

SEM NACIONALISMO
Buscar a cultura folclórica é expediente conhecido de quem busca uma "identidade nacional" ou quer glorificar um país (você deve conhecer a turma que quer trocar o Halloween pelo Dia do Saci). Sjón afirma que não é o seu caso.

"Oponho-me profundamente a qualquer tipo de nacionalismo. Tenho cuidado de não usar os mitos como uma exaltação da glória islandesa. Pelo contrário, espero usá-los para mostrar os erros da sociedade."

Prestes a vir ao Brasil, Sjón espera resolver um mistério. No fim do século 19, alguns islandeses imigraram para o Brasil e se integraram tanto ao país que perderam o contato com a ilha gelada.

Pela Boca Da Baleia
Sjón
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Na Flip, participará da mesa Mar de Histórias no dia 29/7 com o escritor brasileiro Alberto Mussa, às 17h15. Os ingressos para a festa serão vendidos a partir do dia 13/6.

PELA BOCA DA BALEIA
AUTOR Sjón
TRADUÇÃO Luciano Dutra
EDITORA Tusquets
QUANTO R$ 39,90 (207 págs.)

Thomas A/Divulgação
O escritor islandês Sjon Credito Thomas A/Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O escritor islandês Sjón, convidado da clipe deste ano

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