Folha de S. Paulo


Em lugar de ser chacrete, veterana fundou Grupo Galpão há 35 anos

Gabriel Barreto/Divulgação
Teuda fantasiada de Rita Cadillac para uma ação em apoio ao movimento antimanicomial Louca da Laje
Teuda fantasiada de Rita Cadillac para a ação Louca da Laje em apoio ao movimento antimanicomial

Teuda Bara poderia ter sido chacrete, mas recusou o convite feito por José Abelardo Barbosa, o Chacrinha, na década de 1970.

O episódio dá nome a sua biografia, "Teuda Bara - Comunista demais para ser Chacrete" (Editora Javali, 240 páginas), escrita pelo jornalista João Santos e lançada no ano passado.

Em vez de dividir o palco com Rita Cadillac e outras dançarinas, Teuda fundou, junto com os atores Eduardo Moreira, Wanda Fernandes e Antonio Edson, o Grupo Galpão.

Além de se preparar para espetáculos que integram as comemorações dos 35 anos da companhia, a atriz, 76, grava "A Vila", nova série de Paulo Gustavo, que será exibida no canal Multishow a partir de agosto.

Folha - Se você tivesse aceitado o convite do Chacrinha e se tornado sua assistente de palco, como acha que você estaria agora?

Teuda Bara - Sei lá! Foi uma coisa de conversa de bar. Ele devia estar bêbado também. Não sei nem se eu estaria fazendo teatro, se eu teria tomado outro caminho. Foi um encontro muito feliz. Em plena ditadura, aquela loucura. Eu, que era uma suburbana —morava lá na Gameleira [bairro na região Oeste de Belo Horizonte].

Eu trabalhava numa livraria que era o ponto de encontro dos estudantes, dos professores, dos escritores. Eu estava entrando nesse mundo cheio de conhecimento. Eu não tinha ideia de sair daqui, de fazer teatro. Artista eu achava que nem era gente, eu achava que era outro tipo de gente (risos). Eu falava: "Nossa, eu tinha tanta vontade de ser artista".

O que os 35 anos do Galpão significam para você?

Significam minha vida inteira. O mundo eu conheci pelo teatro. Tenho um orgulho muito grande de ter levado muita gente a fazer teatro e de ter levado o teatro a lugares aonde ele não chega.

Quais as principais memórias que você guarda de todos esse anos de Galpão? Alguma história em especial?

A gente estava montando o cenário, no interior de Minas, e chegou um casal, gente com aquele pezão, que só calça sandália para ir na cidade, gente de roça mesmo. Ele chegou e falou assim: "É circo?" Falamos "não, é teatro de rua". "E demora?" Dissemos que ia demorar umas duas horas. Aí ele falou com a mulher "é pouco, né? É uma e mais outra". Sentaram na calçada e ficaram esperando.

Quando a gente começou a fazer o espetáculo, mas a mulher ria, a mulher chorava. O homem também, eles adoraram. Quando acabou eles falaram: "Nossa, ocês são pouco, mas são muita atração". Eles amaram.

Nessas andanças do Galpão, algum lugar te marcou?

Estávamos fazendo turnê pelo rio São Francisco. Quando chegamos em São Romão (MG), eu fiquei deslumbrada. É uma cidade linda, toda cheia de árvore. Tem um pé de mais de 400 anos, um pé de... Daquela fruta azedinha... Como é que é? Carambola? Não.

Romã? Jaboticaba?

Não. Uma que trava na boca. É uma delícia, menino. Eu vou lembrar e te falo. Enfim, nós chegamos lá e era festa do Divino. Uma lindeza, as menininhas vestidas de anjo. Ficamos loucos com São Romão. Na hora do espetáculo, a cidade inteira estava assistindo. Ficaram "honradíssimos". Isso é o que eu acho que é importante: você se comunicar com as pessoas do lugar.

Daniel Bianchini/Divulgação
A atriz Teuda Bara em cena da peça
Teuda em "Doida", peça inspirada em Drummond na qual a atriz contracenava com o filho Admar

A longevidade do Galpão é algo incomum no Brasil. Na sua opinião, porque vocês conseguiram seguir por tanto tempo?

Nós somos um grupo que não tem diretor. Não está na mão de uma pessoa decidir o que vai e o que não vai fazer, quem fica, quem não fica. É tudo uma coisa de decisões nossas. O que no início parecia um defeito, um grupo que não tinha diretor, foi uma sorte. Porque a gente se dirigiu, a gente decidia "vamos trabalhar com essa pessoa". A gente muda a linguagem. Eu acho que isso vai nos alimentando a seguir para frente.

Como está sendo a experiência com Paulo Gustavo?

Maravilhosa. Ele merece esse público que ele tem. Um companheiro ótimo de cena.

Você acha que deixa um legado para artistas mais novos?

Eu acho que fica um legado de "não tenha medo, vá fazer teatro". Não importa se você é gorda, se você é velha.

Como vê o futuro do Galpão?

Fazendo teatro (risos). Ocupando as praças.

Teuda, muitíssimo obrigado pela entrevista. Foi um prazer

De nada, qualquer dúvida que você... TAMARINDO! Lembrei a árvore. Azedinha, é uma delícia.


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