Folha de S. Paulo


crítica

Colcha de retalhos mal-acabada, 'Pega Pega' seduz pelo mal

Pega Pega (regular)
Quando às 19h30, na Globo

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A necessidade de apresentar personagens ainda desconhecidos pelo público fez do primeiro capítulo de "Pega Pega", nova novela das 19h30 na Globo, uma colcha de retalhos mal-acabada. Entre traçar uma narrativa amarrada, com harmonia, e gritar de cara quem é quem, Cláudia Souto, autora estreante como titular de novelas, sacrificou a primeira opção. Não que seja impossível alcançar êxito nas duas coisas, mas, no caso de "Pega Pega", faltou carpintaria, mesmo considerando a delicadeza vigente de Luiz Henrique Rios na direção.

A empatia imediata entre mocinho (Mateus Solano, como Eric) e mocinha (Camila Queiroz, como Luiza) beirou a artificialidade de novela mexicana. Em meio à fuga da jovem Bebeth (Valentina Herszage) do pai, Eric, encontramos, perdida no meio do nada, uma trupe de teatro de bonecos, núcleo do bom moço Márcio (Jaffar Bambirra), que, solidário a Bebeth, protagoniza uma sequência igualmente artificial, de diálogos mecânicos e uma perseguição infantiloide com Kombi e picape.

Salva-se, ainda bem, o núcleo que motiva o desenrolar desse novelo, que é o quarteto encabeçado por Malagueta, o concierge vigarista do Carioca Palace, vivido por Marcelo Serrado, com o garçom Júlio, vivido por Thiago Martins, a arrumadeira Sandra Helena, papel de Nanda Costa, e seu namorado, Agnaldo, personagem de João Baldasserini. O capítulo se encerra com os quatro ouvindo do concierge o plano para que eles roubem os US$ 40 milhões a serem pagos em dinheiro ao dono do hotel, Pedrinho (Marcos Caruso).

Convém ressaltar que falamos aqui do primeiro de uma centena e mais tantos capítulos, mas, da primeira impressão que fica, pode-se destacar Serrado, Caruso e Mariana Santos (a falsa amiga de Eric, Maria Pia) como grandes expoentes do novo folhetim. Malagueta, mentor do roubo, é o vigarista nosso de cada dia, sujeito que zomba de hóspedes orientais, ao se aproveitar da ignorância deles sobre o Rio de Janeiro e o idioma local, quando embarca os turistas em um táxi e recomenda ao motorista, conhecido seu, que deixe o taxímetro rodar, para depois lhe agraciar com sua comissão.

Pedrinho é o playboy falido, referência a Jorginho Guinle, cuja família foi dona do Copacabana Palace, é figura adorável que esconde da neta sua situação financeira e perderá tudo no roubo. De certa forma, será punido por tentar trapacear o Leão do Imposto de Renda, e foi só por isso que pediu o dinheiro em espécie, sem transações bancárias visíveis. E Maria Pia é a amiga que finge ser tão somente a amiga desinteressada de Eric, enquanto tenta seduzi-lo, o que só o telespectador e outros personagens saberão. Há muita graça em sua sutileza, contrariando o tom pastelão que o humor de novela das sete tinha necessidade de mostrar até bem pouco tempo atrás.

O humor sem maldade também se faz notar na ótima parceria entre Nicette Bruno e Cristina Pereira, as tias de Júlio.

A missão de "Pega Pega" é inglória pelo fato de suceder uma novela onde tudo funcionou muito bem —"Rock Story" abordou um universo pouco explorado pela ficção, que é o próprio showbiz, sem perder de vista a linguagem do folhetim. Agora é torcer para que os mocinhos de "Pega Pega" se tornem menos chatos no decorrer dos próximos capítulos. Oxalá.


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