Folha de S. Paulo


Obras em mostra na Paulista revelam os perigos da inteligência artificial

Entre sonho e pesadelo, fachadas vão ganhando feições humanas. Rostos de pessoas e bichos surgem nos lugares mais improváveis da paisagem. De repente, a avenida Paulista é um bestiário horrendo, de corpos em mutação.

Esse vídeo agora no subsolo do Itaú Cultural aplica nada mais que o mesmo algoritmo de análise e classificação de imagens do Google à vida real. Treinado para identificar rostos e objetos familiares em instantes, traçando paralelos com bilhões de feições semelhantes em seu banco de dados, o mecanismo de busca esquadrinha o universo.

O lado negro do "big data", ou tudo que pode acontecer quando máquinas ganham consciência, inspira as obras reunidas pelo centro cultural na tentativa de ilustrar os extremos -tanto para o bem quanto para o mal- da inteligência artificial.

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Bion', instalação dos americanos Adam Brown e Andrew H. Fagg, na mostra 'Consciência Cibernética
'Bion', instalação dos americanos Adam Brown e Andrew H. Fagg, na mostra 'Consciência Cibernética'

Ela pode, no caso, ter a cara fofa dos bichinhos luminosos e azulados da dupla americana Adam Brown e Andrew H. Fagg. Pendurados do teto, eles assobiam e apitam de medo quando alguém chega perto demais, simulando o comportamento das sinapses de um cérebro humano com um efeito de pisca-pisca de Natal.

Na mesma pegada dócil, uma espécie de videogame criado pelo australiano Jon McCormack mostra mais criaturinhas arredondadas que se reproduzem ou morrem dependendo da oferta ou escassez de comida provocada pela aproximação do espectador diante da projeção.

Quando descobrem como a coisa funciona, essas bolinhas ficam histéricas, chamando o público de volta. "É uma coisa tão simples manipulando seres humanos", diz Marcos Cuzziol, que organiza a mostra. "Ou talvez a gente não tenha capacidade para aprender coisas tão complexas."

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Instalação de Leonardo Crescenti e Rejane Cantoni na mostra 'Consciência Cibernética', no Itaú Cultural
Instalação de Leonardo Crescenti e Rejane Cantoni na mostra 'Consciência Cibernética', no Itaú Cultural

No subsolo, as coisas começam a ficar mais sinistras. O francês Pascal Dombis mostra telas negras com versos do beatnik William Burroughs cobrindo imagens esmaecidas caçadas no Google. "Quanto mais as imagens circulam, mais elas desaparecem", diz o artista. "Você vê a intensidade negativa das imagens."

Uma enorme instalação de José Wagner Garcia, com formas geométricas a flutuar projetadas num painel branco também tem um aspecto plástico enganoso. Elas são modelos de fibras cerebrais atrofiadas, a condição que detona o Alzheimer no cérebro.

Embora a representação sirva de ponto de partida para estudos de combate à doença, já que pretende reabilitar essas fibras com nanomáquinas, espanta a capacidade desses computadores que parecem saber mais do que a vida.

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Instalação de Regina Silveira na mostra 'Consciência Cibernética', no Itaú Cultural
Instalação de Regina Silveira na mostra 'Consciência Cibernética', no Itaú Cultural

No fundo, é o que acontece -com roupagem mais onírica- na instalação de Regina Silveira, que criou uma espécie de labirinto celeste, com matrizes brancas a flutuar no meio de nuvens num céu azul.
Mas à medida que o espectador avança dentro de seu mundo virtual, as rotas se desfazem, dando a entender que essa obsessão tecnológica é um caminho sem retorno.

O que puxa de volta é outra instalação que permite conversar com os personagens de "Dom Casmurro", clássico de Machado de Assis.

Um sistema de computador desenvolvido pela IBM usa os diálogos do livro para dar respostas a perguntas que o autor nunca respondeu, mas fracassa, dando a entender que humanos ainda não ficaram obsoletos.

CONSCIÊNCIA CIBERNÉTICA
QUANDO abre nesta qua. (7), às 20h; de ter. a sex., das 9h às 20h; sáb. e dom., 11h às 20h; até 6/8
ONDE Itaú Cultural, av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1777
QUANTO grátis


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