Folha de S. Paulo


Filme sueco 'The Square' leva Palma de Ouro em Cannes

Alberto PIzzoli/AFP
O diretor Ruben Ostlund e parte do elenco do filme 'The Square', que levou a Palma de Ouro, prêmio mais importante do festival
O diretor Ruben Östlund e parte do elenco do filme 'The Square', que levou a Palma de Ouro em Cannes

Um estupro coletivo, um filho assassinado pelo pai, uma neta que filma o suicídio do avô e uma idosa alvejada na testa são algumas das atrocidades que passaram pela tela do 70º Festival de Cannes.

A mais importante mostra cinematográfica do mundo terminou neste domingo (28), na França, chancelando filmes de arte que não poupam o estômago do espectador.

Não deixa de ser irônico, contudo, que a trama do principal vencedor desta edição, "The Square", invoque a obsessão da arte por se fazer marcante a partir do choque.

Dirigida pelo sueco Ruben Östlund, essa sátira de humor negro foi vencedora da Palma de Ouro. É uma crítica ferina ao universo de artistas contemporâneos, cheia de situações que beiram o absurdo.

A história gira em torno do curador de um museu em Estocolmo, vivido por Claes Bang, que quer atrair mais visitantes para a instituição.

Em meio a clichês do mundinho da arte -etéreos textos de catálogo de exposição, performers radicais e obras de qualidade duvidosa- a solução encontrada para chamar público é fazer um vídeo violento viralizar na internet.

"A arte contemporânea, como qualquer área, tem de ser criticada", disse Östlund, com a Palma em mãos, em entrevista à imprensa após a premiação. "O mesmo tem que acontecer com a indústria cinematográfica e qualquer outra área ritualizada."

A escolha de "The Square" como o vencedor pelo júri capitaneado por Pedro Almodóvar não teve repercussão unânime na imprensa.

O longa de Östlund foi malhado pelos críticos franceses e foi chamado de "força menor" -brincadeira com outro filme do diretor, o aclamado "Força Maior" (2014). ­­

O filme será distribuído no Brasil pela Pandora e é possível que esteja na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no segundo semestre.

Ao justificar o prêmio, Almodóvar disse que "The Square" ataca com humor a "ditadura do politicamente correto" que, afirmou, "é pior do que todas as ditaduras".

O espanhol ficou com a voz embargada quando foi questionado sobre o longa francês "120 BPM", de Robin Campillo. Essa ficção sobre um grupo de ativistas que nos anos 1990 defende soropositivos e luta contra a homofobia levou o Grande Prêmio do Júri, o segundo mais importante.

O filme de Campillo, que era um dos favoritos à Palma de Ouro, levou ainda o prêmio da imprensa, dado pela Fipresci, entidade que reúne críticos de diversos países.

Almodóvar também cumpriu o prometido na abertura do festival e ignorou a Netflix, centro da celeuma do ano.

O serviço de vídeo sob demanda tinha "Okja" e "The Meyerowitz Stories" na disputa e irritou a comunidade cinéfila ao anunciar que os filmes não passariam nos cinemas na maioria dos países.

MULHERES

Quando a atual edição começou, no dia 17, discutia-se que este poderia ser o ano para Cannes fazer uma reparação histórica e dar a Palma a uma das três cineastas na contenda. Em 70 edições, só uma diretora levou o prêmio: a neozelandesa Jane Campion, por "O Piano" (1993).

Se não houve uma segunda vitoriosa, o júri lembrou as mulheres em três categorias.

Em direção, venceu a americana Sofia Coppola por "O Estranho que Nós Amamos", olhar feminino sobre a história de um soldado da Guerra Civil Americana, interpretado por Colin Farrell, que é abrigado num internato ocupado apenas por mulheres.

A escocesa Lynne Ramsay venceu pelo roteiro do sangrento "You Were Never Really Here" -prêmio dividido com o grego Yorgos Lanthimos, do igualmente violento "The Killing of a Sacred Deer".

Já a atriz Nicole Kidman, que neste ano esteve em quatro produções exibidas em Cannes, saiu com um prêmio especial formulado para celebrar as 70 edições do evento.

Favorita em sua categoria, a alemã Diane Kruger venceu o prêmio de interpretação feminina por seu papel em "In the Fade", de Fatih Akin. Nele, Kruger vive uma mulher que perde o marido e o filho pequeno numa explosão causada por um grupo neonazista e parte para a vingança.

BRUTALIDADE

A brutalidade que permeou mais da metade dos 19 longas em competição também foi lembrada pelo júri na categoria de melhor ator, vencida pelo americano Joaquin Phoenix, que fez o matador de aluguel cheio de traumas do longa de Ramsay.

Também duro é o retrato pintado pelo russo Andrey Zvyagintsev em "Loveless". O drama familiar levou o Prêmio do Júri com uma trama que dispara farpas contra sociedade russa contemporânea ao narrar o desaparecimento de um garoto.

Tamanha brutalidade fez a revista francesa "Les Inrocks" arriscar um palpite: com tantos filmes sendo feitos todo ano, o festival quer privilegiar os que têm mais chances de se fixar na cabeça do espectador -os mais sádicos. Crueldade à parte, foi a veterana belga Angès Varda quem levou o prêmio de melhor documentário, o Olho de Ouro.

Às vésperas de completar 89 anos, Varda exibiu seu "Visages, Villages", no qual ela viaja com o muralista JR pelo interior da França, conversando com anônimos cujos rostos reproduzem em tamanho gigante pelas fachadas.

A única crueldade que há nesse filme delicado é uma praticada por Jean-Luc Godard contra Varda. Entregar o que é, contudo, seria outro ato de maldade.

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Cannes


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