Folha de S. Paulo


Após 25 anos, Roger Waters lança álbum e diz temer 3ª Guerra Mundial

Sean Evans/Divulgação
O músico inglês Roger Waters, que lança o álbum 'Is This the Life We Really Want?
O músico inglês Roger Waters, que lança o álbum 'Is This the Life We Really Want?

Vinte e cinco anos depois de "Amused to Death", Roger Waters volta a lançar um disco com canções inéditas.

"Is This the Life We Really Want?" (essa é a vida que realmente queremos?) chega ao público na sexta (2/6), com 12 faixas escritas pelo lendário líder do Pink Floyd, a banda britânica que apareceu em Londres em 1965, gravou seu primeiro álbum em 1967 e estourou para a posteridade nos anos 1970 com sucessos como "The Dark Side of the Moon" (1973) e "The Wall" (1979).

"Minhas obsessões realmente nunca mudaram. Eu ainda sou impelido pela necessidade de me conectar com os outros e por um desejo de ir mais fundo no meu próprio coração para me sentir melhor comigo mesmo, me aproximando e me identificando com a situação de outras pessoas", disse Waters, 73, em Nova York, numa conversa com a Folha e outras três publicações internacionais.

De certo modo "conceitual", com o propósito de interagir com temas ligados à política e à vida contemporânea, o disco se parece mais com o Waters do Pink Floyd do que com suas posteriores investidas em carreira solo.

Mas, apesar de ser conhecido como um arquiteto perfeccionista e onipresente de suas produções, desta vez entregou a concepção musical para Nigel Godrich, produtor do Radiohead, que faz parte do projeto Atoms for Peace, banda que reúne Tom Yorke, Flea (do Red Hot Chili Peppers), o baterista Joey Waronker (Beck e R.E.M.) e o percussionista brasileiro Mauro Refosco (do Forró in the Dark).

Acostumado a "estar no controle de tudo", Waters percebeu que se fosse desempenhar esse papel ao lado de Godrich o disco não sairia. Entendeu que era preciso se recolher e deixar o produtor trabalhar. Diz que foi difícil, mas gostou do resultado.

Waters vê no álbum e na turnê "Us + Them" –que estrearia na sexta passada (26) nos EUA, em Kansas City– uma nova oportunidade de colocar seu talento a serviço de causas que o afligem, como tem feito desde sempre.

Inquieto com a política internacional, ele declara que está apreensivo com os desdobramentos de situações como a eleição do presidente Donald Trump e conflitos como a guerra civil da Síria.

"Estou realmente preocupado com a Terceira Guerra Mundial", diz. "Ninguém sabe nada do que está acontecendo agora, porque todo mundo está mentindo sobre tudo. Essa é uma das coisas que realmente me assustam: a normalização do relato intencional de inverdades. Os políticos inventam o que quer que seja para defender seus propósitos."

TRUMP

Roger Waters encontrou na eleição de Donald Trump um prato-feito para ancorar seu engajamento musical.

Contestar o presidente americano, diz o músico, foi uma das suas motivações para a turnê "Us + Them" –na qual apresenta quatro canções do novo álbum, deixando a maior parte para antigos sucessos do Pink Floyd. Por ora, há shows agendados nos EUA e no Canadá.

É o caso de "Pigs (Three Different Ones)", faixa de "Animals" (1977) que serve de mote para ridicularizar o republicano. Trump aparece nos telões pintado em cores à moda de Andy Warhol, com batom nos lábios, seios, capuz da Ku Klux Klan, com cabeça de porco e sem calças, deixando à vista um pênis minúsculo.

Ao mesmo tempo, surge um porco voador gigante, controlado por um drone, com uma imagem do presidente com cifrões nos olhos e uma inscrição: "cofrinho de guerra".

"Esse é o cara que disse a todos que iria salvar seus empregos e tornar a América grande novamente e tudo o mais, mas está roubando dinheiro do eleitorado tão rápido quanto pode. É isso que você realmente quer?", ataca Waters.

Mas até que ponto esse tipo de aproveitamento político, de certo modo fácil, que contamina muitas produções da cultura contemporânea, tem alguma efetividade? Até que ponto pode alterar alguma coisa e não ser apenas a reiteração de visões já sedimentadas e codificadas?

Waters não se abala muito com o questionamento. "Nunca se sabe quão eficaz é qualquer coisa. Tudo o que podemos fazer é olhar para as evidências que nos rodeiam... E tentar descobrir o que está acontecendo", diz.

Ele acredita que "algumas pessoas estão interessadas em sentimentos e pensamentos, e outras não", mas que há uma massa de gente pronta a ouvir o que ele tem a dizer sobre questões filosóficas ou "a natureza transcendental do amor".

"Obviamente", argumenta Waters, "é uma comunidade menor; não é nada comparável ao número de pessoas que ouvem um 'stream' do Drake", diz, referindo-se ao rapper canadense, recordista em audiência na plataforma Spotify, com cerca de 4,7 bilhões de audições no ano passado, e o primeiro a ter uma única canção ("One Dance") ouvida mais de 1 bilhão de vezes. "Eu não vou sentar para ouvir. É totalmente vazio, não é sobre nada", critica.

O caso de Waters contra Trump começou no ano passado. Em um show no México o músico já havia apresentado "Pigs" com imagens depreciativas do então candidato no telão. E aproveitou a canção "Another Brick in the Wall (Part 2)" para atacar a famigerada proposta de construção de um muro na fronteira daquele país com os EUA. Ele usou a ocasião para repetir a frase que ficou famosa entre os mexicanos: "Trump, eres un pendejo" (Trump, você é um idiota).

"O caminho para se tornar mais feliz é ser mais social e mais civilizado, e não menos social e menos civilizado", diz Waters, que também viu uma oportunidade de promover suas ideias e seu lançamento nos protestos contra o presidente Michel Temer, no Brasil.

Ele postou há poucos dias uma imagem da capa do novo disco fundida com uma foto de Temer e os dizeres "Brasil, é essa vida que vocês realmente querem?" ­â€“uma alusão ao título do novo trabalho.


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