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'Aqui Estou' de Safran Foer discute crise de meia-idade e futuro de Israel

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O escritor americano Jonathan Safran Foer, 40, autor de 'Tudo se Ilumina' e 'Extremamente Alto e Incrivelmente Perto
O escritor americano Jonathan Safran Foer, 40, autor de 'Tudo se Ilumina' e 'Extremamente Alto e Incrivelmente Perto'

Jonathan Safran Foer, 40, escreveu "Aqui Estou" com uma espécie de lente bifocal imaginária. Ele vê, afinal, dois mundos: um macroscópico e outro microscópico.

O livro, publicado em 2016 e lançado agora no Brasil pela Rocco, começa com a frase "quando a destruição de Israel teve início", que determina o contexto mais amplo da história. Mas o texto investiga, em paralelo, detalhes da vida de um judeu em Washington.

A dinâmica entre as perspectivas, diz o americano à Folha, surgiu naturalmente na escrita. "A maior parte das pessoas sente essa confusão de escala. O que é grande e o que é pequeno? O que podemos mudar e o que não podemos?".

O autor, um dos mais celebrados de sua geração, faz essa série de indagações dias após uma explosão deixar 22 mortos em Manchester, na segunda-feira (22) e, então, estica as perguntas até ali.

Depois de um atentado como aquele, em que meninas e suas mães foram mortas, "o que podemos fazer, e o que precisa ser feito?", questiona. "Por que nós nos tornamos essas pessoas; será que passamos do ponto em que não há mais retorno?"

A conversa ao telefone é marcada por esses questionamentos. Ele confessa, quase só a si mesmo, que a própria expressão "ponto sem retorno" caiu em desuso, apesar de fasciná-lo.

Mesmo com as constantes entrevistas a meios de comunicação de todo o mundo –ele é o autor-prodígio de "Tudo se Ilumina"– afirma que aproveita a oportunidade para pensar com outras pessoas. E diz não se entediar.

DISTOPIA

Safran Foer enxerga um ponto de inflexão em três exemplos que dá, ao telefone: o aquecimento global, o Oriente Médio e os EUA. Nesses casos, inquire ele, já passamos de um limite?

Ele descreve em "Aqui Estou" um futuro distópico em que Israel, após sofrer um terremoto destrutivo, tem de travar uma dura guerra.

Distopias parecem estar na moda. Acaba de estrear a série "The Handsmaid's Tale", baseada em "O Conto da Aia", de Margaret Atwood, sobre um cenário em que os EUA são governados por uma teocracia e as mulheres perdem seus direitos civis.

A Folha pergunta ao escritor se ele consegue imaginar um futuro assim. Ele diz: "É difícil enxergar qualquer futuro agora. Fui uma das pessoas que fizeram completo pouco caso da possibilidade de que Donald Trump fosse eleito presidente dos EUA".

Safran Foer critica o que chama de "voto narcisista", aquele feito "para sentir-se bem, mais do que pelo resultado que queremos", que relaciona à eleição de Trump e ao "brexit", decisão britânica de deixar a União Europeia.

Mas com uma ressalva a seu próprio dito: "O futuro é aquilo que a gente faz, e não só o que fizeram dele".

MEIA-VIDA

Toda essa ideia de pontos sem retorno culmina nas crises de Jacob Bloch, protagonista de "Aqui Estou". Em especial, na crise de meia-idade, que Safran Foer descreve como "a sensação de passarmos de um estágio".

Ele talvez entenda bem a situação –a obra tem paralelos com sua própria vida. Divorciou-se entre seu livro anterior e este. Seu personagem Jacob vive, em "Aqui Estou", uma crise conjugal.

"Escrevo de maneira bastante pessoal", diz –o que faz da obra, como as anteriores, uma discussão viva da identidade judaica dentro da qual Safran Foer foi criado.

"Tento pensar, enquanto escrevo, em como incluir minhas experiências formativas, e fui formado em um contexto judaico", diz. "Não religioso, mas judaico."

O título do livro, no entanto, tem bastante do sagrado. "Aqui Estou" –"hineni", no termo hebraico– foi o que Abraão respondeu a Deus quando chamado.

A ideia é discutida dentro do livro, e o título rondou todo o processo de escrita. "Eu estava resistindo até o fim. Parecia ser muito direto", diz. "Mas foi difícil resistir. Como uma doença do livro."

A relação entre macro e micro, em "Aqui Estou", evidencia também a dinâmica entre a diáspora judaica nos EUA e o Estado de Israel.

Há alguma tensão nessa identidade, com comunidades de judeus americanos se afastando, por exemplo, das políticas do premiê israelense, Binyamin Netanyahu.

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"Não sei se 'crise' é a palavra", diz Safran Foer. "Talvez seja. Mas a relação entre os judeus americanos e Israel nunca esteve tão distante."

"Não é que os americanos não queiram ir a Israel por causa de Netanyahu. Eles simplesmente não querem. Não existe mais espaço para o país na imaginação deles."

A política, afirma, exacerba os sentimentos, e leva a sua última pergunta na entrevista.

"Os judeus americanos poderiam sobreviver sem Israel e vice-versa? Suspeito que sim. Mas, como o livro diz, não saberemos até que o momento chegue", conclui.


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