Folha de S. Paulo


Após polêmica em festival de PE, filme sobre o Plano Real estreia nos cinemas

"Não há limites para o que vocês podem conquistar. Sua tela de trabalho é o Brasil."

Quem diz é o então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso –em sua versão interpretada pelo ator Norival Rizzo– dirigindo-se a uma equipe apresentada em cenas que remetem a um cruzamento entre "Onze Homens e um Segredo" e "CQC".

Com esse e outros bordões, jargões do "economês" e palavrões em seus diálogos, "Real: O Plano por Trás da História" estreia em circuito comercial nesta quinta (25).

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Dirigido por Rodrigo Bittencourt ("Totalmente Inocentes", 2012) e com roteiro de Mikael de Albuquerque ("A Glória e a Graça", 2017), o longa se propõe como um "thriller político" sobre a formulação do Plano Real, implantado em 1994, que controlou a hiperinflação com uma nova moeda.

No elenco ainda estão Emílio Orciollo Neto, que faz o papel do protagonista, o economista Gustavo Franco; Paolla Oliveira, que vive a namorada fictícia de Franco; Tato Gabus Mendes, como o ex-presidente do BC Pedro Malan; e Juliano Cazarré, que dá cara, bigode e sotaque a Gonçalves, parlamentar ficcional do PT.

"Interpretar Gustavo Franco talvez tenha sido o maior desafio da minha carreira", diz Orciollo Neto.

"Foi uma oportunidade de retratar uma galera que eu vejo muito na TV Câmara, na TV Senado... Tem aquele teatro todo. Pensei: 'Tem pano pra manga'", diz Cazarré.

Com custo total de R$ 8 milhões, captados de empresas privadas, por financiamento coletivo virtual e com auxílio da Lei do Audiovisual e do ProAC, do Governo do Estado de São Paulo, o filme é baseado no livro "3.000 Dias no Bunker", de Guilherme Fiuza.

A vontade inicial do produtor Ricardo Fadel Rihan era a de fazer um "Wall Street brasileiro". Citando o longa de Oliver Stone que se tornou um ícone dos anos 1980, ele conta que sua ideia de produzir um filme surgiu em 2012, em conversa com "jovens empreendedores".

"A decisão de falar sobre o Plano Real veio depois, quando o livro do Fiuza caiu nas minhas mãos", diz Rihan, que tem em seu portfólio associação ou participação na produção de filmes espíritas.

"Eu logo vi que essa era a história que a gente queria contar para engajar os jovens brasileiros em temas de interesse do país", acrescenta.

FILME "DE DIREITA"

Karime Xavier/Folhapress
Norival Rizzo vive FHC em
Norival Rizzo vive FHC em "Real: O Plano por Trás da História"

"Real" foi pivô de uma polêmica que levou ao adiamento do 21º Cine PE –o evento seria realizado entre 23 e 29 deste mês no Recife.

Sete diretores retiraram suas obras da mostra em protesto contra o que julgaram ser uma escolha de filmes que "favorece um discurso partidário alinhado à direita" e "grupos que financiaram o golpe ocorrido em 2016".

Além de "Real", também fora selecionado pela curadoria da mostra pernambucana o documentário "O Jardim das Aflições", sobre o pensador conservador Olavo de Carvalho. Eles não foram nominalmente citados pelos manifestantes, que se dizem descontentes com o Cine PE, e não com filmes específicos.

"O festival tem todo o direito de selecionar os filmes que quiser. Não quero meu nome associado a essas obras nesse momento tão sensível em que vivemos", disse então à Folha Arthur Leite, diretor do curta "Abissal".

"O que eles fizeram foi denegrir o cinema brasileiro. O nosso cinema vive uma ditadura, fascista e de esquerda", rebate Bittencourt, que afirma que votou "no Lula e na Dilma" e que faria um filme "positivando o Bolsa Família".

"A arte deve se sobrepor à ideologia", avalia o roteirista Albuquerque. A equipe de "Real" define o filme como "equilibrado" e "apartidário".

Em apoio aos que se retiraram do Cine PE, críticos e cineastas assinaram manifesto em que "refutam" os "argumentos que classificam a atitude como censura, uma vez que não se reivindicou a proibição de nenhuma obra". "Vida e cinema não se distinguem. Qualquer prática é um ato político", diz o documento.


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