Folha de S. Paulo


crítica

Mesmo comportado e longo, filme de Sofia Coppola tem elegância

Divulgação
Nicole Kidman, em cena de 'O Estranho que Nós Amamos', de Sofia Coppola
Nicole Kidman, em cena de 'O Estranho que Nós Amamos', de Sofia Coppola

O Estranho que Nós Amamos (bom)
DIREÇÃO Sofia Coppola

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Tentando a segunda Palma de Ouro para uma cineasta em 70 anos de festival (sendo Jane Campion a pioneira, em 1993, com "O Piano"), Sofia Coppola apresentou em Cannes sua versão de "O Estranho Que Nós Amamos" como uma fábula gótico-feminista.

A imagem final condensa o simbolismo: um casarão rosa ao fundo, um portão fechado com um lenço azul amarrado numa das grades, um corpo (masculino) embrulhado em lençol branco ao pé do portão. Mais claro, impossível.

Coppola disse ter feito uma nova adaptação do livro original de Thomas Cullinan, e não uma "refilmagem" do clássico dirigido em 1971 por Don Siegel. Não há, contudo, nenhuma grande adição de enredo ou de diálogo comparativamente à primeira versão.

O entrecho segue o mesmo: em 1864, no período final da Guerra Civil americana, um soldado nortista, ferido numa perna, é recolhido por sete mulheres de idades variadas de uma escola para moças que ocupa um isolado rancho sulista. Todo a tensão vai girar a —té o climax da explosão— em torno da ruptura do equilíbrio com a atração despertada pela presença masculina.

Colin Farrell herda aqui o papel do forasteiro criado por Clint Eastwood e Nicole Kidman assume o de Geraldine Page como a rígida diretora do internato. A própria escolha desse elenco, ao inverter o peso do protagonismo, sinaliza a nova ênfase feminina.

A pegada gótica se constrói pela composição de Kidman e pela fotografia de Philippe Le Sourd ("Sete Vidas").

Kidman é mais sutil que Page no filme de Siegel, mas seu rosto tem algo da psicótica de Bette Davis em "O Que Terá Acontecido a Baby Jane?" (1962). Le Sourd, por seu lado, parece ter buscado inspiração na economia e dramaticidade do trabalho de John Alcott para "Barry Lyndon" (1975) de Stanley Kubrick.

O mesmo balanço entre delicadeza explícita e agressividade represada em torno de um grupo feminino aproxima "O Estranho Que Nós Amamos" de "As Virgens Suicidas" (1999), o primeiro longa-metragem de Sofia Coppola. A presença em ambos de Kirsten Dunst, herdeira aqui do papel de Elizabeth Hartman como a sedutora Edwina, reforça o elo.

"O Estranho Que Nós Amamos" se deixa ver com elegância, mas tudo parece mais morno e previsível do que no filme de Siegel. A questão que fica é por que a revisita —e assim tão bem comportada.


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