Folha de S. Paulo


análise

Virada Cultural foi cinza, e ausência do prefeito é sintomática

A primeira Virada Cultural aconteceu em 2005, sob a gestão de José Serra (PSDB). O modelo, todos sabemos, era a Nuit Blanche (noite branca, ou noite em claro) parisiense, e a proposta era oferecer à população 24 horas de programação cultural gratuita.

Serra abriu o evento às 14h do sábado, 19 de novembro, no museu do Ipiranga, antes de apresentação da Orquestra Experimental de Repertório, regida por Jamil Maluf.

Houve, em 2005, shows, como os de Tom Zé, Elza Soares e Adriana Calcanhotto; mas houve também passeio noturno promovido pela Pinacoteca no Jardim da Luz.

De lá para cá, houve museus abertos de madrugada, iluminação especial para monumentos, músicos pendurados sobre a avenida Paulista.

Houve também incidentes graves, como a pancadaria diante do palco dos Racionais em 2007; arrastões (ao menos 18, em 2014); esfaqueamentos; tiros; mortos e feridos.

A questão da segurança, tão cara aos paulistanos, brotou cedo no discurso da nova gestão tucana. Antes mesmo da posse de João Doria, ainda em dezembro, veio a primeira notícia: a Virada iria para Interlagos, transformando-se numa espécie de "confinada cultural", a antítese de seu espírito, de promover a circulação do público pela cidade.

Depois a ideia se nuançou; o centro não teria palcos, e sim tablados, estruturas menores, para evitar multidões e fazer a Virada mais segura.

É verdade que essa cidade pela qual se circulava a pé durante 24h uma vez ao ano era quase apenas o centro. São Paulo não é Paris, bem menor e sem os problemas de mobilidade da capital paulista.

Mas, se nem todos se animavam ou tinham recursos para chegar aos grandes palcos na Júlio Prestes ou na São João, havia programação nas unidades do Sesc e nos CEUs.

Com o centro esvaziado, a Virada neste ano foi triste. A chuva contribuiu para o ar cinzento que paira sobre a cidade, mas, mais que a água, o que empurrou o público para longe do evento foi um bem urdido plano de dispersão.

Que o prefeito João Doria não tenha feito nenhuma aparição oficial durante o maior evento cultural de sua cidade, organizado por sua gestão, preferindo desfilar pela cracolândia após a ação policial do governo do Estado neste domingo, é sintomático.

Ali, perto de onde tantas vezes ocorreram apresentações musicais, de dança, de teatro, ele proclamou que a cracolândia tinha acabado. Resta saber se a Virada também.


Endereço da página:

Links no texto: