Folha de S. Paulo


'Uma ideia estúpida', filme sobre Godard divide opiniões em Cannes

Jean-Paul Pelissier/Reuters
O diretor Michel Hazanavicius e os atores Louis Garrel, Stacy Martin and Berenice Bejo durante o Festival de Cannes
O diretor Michel Hazanavicius e os atores Louis Garrel, Stacy Martin and Berenice Bejo em Cannes

"Que ideia estúpida!", disse o cineasta Jean-Luc Godard, que não se mostrou muito lisonjeado quando soube que preparavam uma cinebiografia a seu respeito.

A tal "ideia estúpida" se chama "Redoutable" (temível) e estreou na competição do Festival de Cannes dividindo opiniões, como era esperado. O filme, do diretor Michel Hazanavicius, mira Gordard, mas acerta Woody Allen.

É que no filme o expoente da nouvelle vague é pintado como um sujeito neurótico e algo patético. O roteiro faz um recorte temporal: encontramos Godard oito anos após ele ter lançado "Acossado" (1960), com que havia balançado os alicerces do cinema, e nas raias da iconoclastia que marcaria 1968 na França e que não pouparia nem o seu prestígio.

Godard está apaixonado por Anne Wiazemsky, atriz de 17 anos que virou sua nova musa. Mas ele é um misantropo e leva a mesma irredutibilidade de posições que marca seu cinema e sua radicalidade política para o relacionamento.

Na pele de Godard está Louis Garrel, no papel que talvez seja o mais distinto de sua carreira. O primeiro, talvez, em que não esteja interpretando papel de si mesmo.

Da mesma forma como fez no oscarizado "O Artista" (2011), outra homenagem ao cinema, Hazanavicius entope "Redoutable" de referências do que retrata, mas não propõe qualquer radicalização estética que honre o objeto de sua homenagem, algo que levou parte das críticas a chamar seu filme de um pastiche de Godard.

"Louis estava muito preocupado com a opinião dos fãs de Godard", disse Hazanavicius em entrevista à imprensa. "Mas eu disse que não me importava, que a maioria das pessoas não está nem aí para Godard".

A declaração pareceu irritar Garrel, que interrompeu seu diretor: "Isso é absurdo. É o mesmo que dizer que as pessoas não estão nem aí para Caravaggio", afirmou o ator de 33 anos, frequentemente apontado como sucessor da fleuma da nouvelle vague.

Coube a Berenice Bejo, coadjuvante em "Redoutable", fazer o deixa-disso entre os dois: "Há muitos que não estão nem aí até para o cinema".

NETFLIX VAIADA (DE NOVO)

Inimiga favorita desta edição do festival, a Netflix foi vaiada mais uma vez, agora durante a exibição de "The Meyerowitz Stories", que junto de "Okja" é um dos dois títulos do serviço de vídeo sob demanda em competição em Cannes.

Assim que o seu logotipo surgiu na tela durante a sessão de imprensa, a empresa americana recebeu um "uuuuuuu" de parte expressiva dos jornalistas. A polêmica se deve à decisão da Netflix de lançar essas duas produções diretamente em sua plataforma, ignorando as salas de cinema, o que enfureceu boa parte do setor.

"Meyerowitz" é uma comédia dirigida pelo americano Noah Baumbach, que segue todo o receituário hipster dos filmes do diretor: as relações disfuncionais, os personagens excêntricos e a sucessão de esquetes no limite do "nonsense".

Dustin Hoffman vive o patriarca da família, um escultor que já teve lá sua importância e que ainda não se deu conta do próprio ostracismo. Tem três filhos, vividos por Ben Stiller, Elizabeth Marvel e Adam Sandler —sim, ele mesmo, o rei do besteirol americano no festival europeu que reúne a elite do cinema autoral.

Baumbach não se safou de ter que responder à pergunta mais recorrente no festival: o que acha da controvérsia entre Netflix e cinemas tradicionais?

"Nós vamos exibir na tela grande. O Dustin tem uma tela grande na casa dele", disse. E depois foi sério: "Só posso agradecer pelo apoio que deram ao filme".

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Cannes.


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