Folha de S. Paulo


Daniela Mercury pede 'renúncia já!' em show para 3.000 no Anhembi

"Eu sou a rainha má, a rainha gay, tem gay aí?", pergunta Daniela Mercury na abertura de seu show na Virada Cultural com o hit carnavalesco "A Rainha do Axé".

Dando início à 13ª edição do evento, a cantora subiu ao palco do Parque Anhembi com 50 minutos de atraso no show agendado para as 18h deste sábado (20).

"Esta é a semana de luta contra a homofobia e a transfobia, é um momento de se manifestar como brasileiro e exigir que os políticos falem a verdade e não atrapalhem a nossa vida."

Segundo a Guarda Civil Metropolitana, havia de 2.000 a 3.000 pessoas no show, um padrão baixo para a cantora e para grandes shows da Virada. Sua apresentação no Carnaval paulistano deste ano, por exemplo, reuniu 500 mil pessoas, segundo o patrocinador.

Já a abertura da Virada Cultural por Rita Lee, em 2011, reuniu 25 mil pessoas na praça Júlio Prestes, estimou a prefeitura à época.

A possibilidade de chuva, que não se concretizou, não desanimou a artista, que mais cedo havia convidado o público para seu show.

Durante a apresentação, Mercury encarnou a personagem soberana de "O Baile da Rainha Má", turnê com a qual excursiona há dois anos e que leva esse nome por conta de "Rainha do Axé", hit do carnaval de 2015.

No repertório, faixas conhecidas, como "Rapunzel", "Faraó Divindade do Egito" e "Nobre Vagabundo", agitaram o público, que dançou passinhos de frevo.

À parte do show dançante e do repertório carnavalesco, Daniela dedicou selecionou canções de forte teor político. Entre uma canção e outra, como na versão que fez de "No Woman No Cry", de Bob Marley, a cantora intercalou referências de música de protesto, como um trecho de "Cálice", de Chico Buarque.

Ao cantar "Tempo Perdido", da Legião Urbana, clamou: "Renúncia, renúncia já!". "Transparência, verdade, é isso que a gente quer, a gente não tem cara de babaca. O pot-pourri ainda contou com "Que País é esse?" e "Como Nossos Pais".

"Tá na hora de o país se unir. A gente tem muitas bandeiras, milhões de pessoas que querem trabalhar e ser respeitadas, queremos paz para trabalhar, queremos nosso país de volta", disse Daniela ao finalizar a mescla de canções com "Jesus Cristo".

Quando parte do público pediu "Fora, Temer", Daniela citou Caetano: "ele cantou 'sem lenço, nem documento' [de" Alegria, Alegria"] com a esperança de ver um país democrático".

A artista havia pedido eleições diretas em uma rede social, após a notícia das gravações que comprometem o presidente Michel Temer.

Conhecida como porta-voz da causa LGBT, a cantora fez diversas menções à igualdade de gênero e respeito ao próximo.

"Quem não sabe conviver com a diversidade humana é um fraco, quem não respeita as trans, os gays e as mulheres, o ser humano", disse.

Com pouca gente, o Anhembi teve espaço de sobra para os que aderiram à coreografia sincronizada de "Maimbê Dandá", já ao fim do show. A cantora encerrou a apresentação de quase duas horas com "Canto da Cidade", às 20h36.

DESCENTRALIZAÇÃO

O Anhembi é um dos cinco pontos que recebem os principais shows que deixaram o centro neste ano –os outros são: praça do Campo Limpo, parque do Carmo, Autódromo de Interlagos e Chácara do Jockey.

A proposta do prefeito João Doria dividiu opiniões.

"Achei interessante espalhar, aqui é um lugar mais acessível, mas a Chácara do Jockey é mais distante, nem todo mundo consegue chegar", disse a professora Maira Berdazzoni, que foi ao show com mais duas amigas.

"Ano passado teve mais shows interessantes na periferia, acho que esse foi um ponto negativo nesse ano, porque ficou mais concentrado aqui [Anhembi] e no Jockey. Eu moro no Paraíso, peguei um táxi, mas não é todo mundo que pode fazer isso", ponderou.

O casal Rafael Silva, 30, auxiliar de logística, e Flávia Farias, 35, advogada, saíram da Parada Inglesa e do Jardim França, respectivamente, para aproveitar o show com a filha de 1 ano.

"Sou super a favor da descentralização, só viemos com ela [a filha] porque era aqui no Anhembi, um lugar claro, limpo e perto de casa, tem uma estrutura", disse Farias, que há pelo menos oito anos não vai à Virada no centro por não se sentir segura.

Esse ponto, no entanto, ainda precisa melhorar, diz Silva. Ele afirma que um colega entrou com uma garrafa de vinho e não foi parado na revista. "Podia ser uma arma. Mas o pessoal da zona norte é mais ligado ao esporte, não é de briga", diz.

A Polícia Militar afirma que havia 80 policiais e 19 viaturas no local.

Por outro lado, a descentralização desencorajou o casal a participar de outras atrações.

Fãs de samba e reggae, eles afirmam que se interessaram por apenas cinco das 900 atrações.

"A maioria de todos os tipos a gente não conhece, queria levá-la no teatro, mas a organização não divulgou nada direito", diz Farias.

"Tinha alguns shows no Parque do Carmo, mas para quem mora aqui não vale a pena, é de difícil acesso, longe de tudo. Achei pouca opção, quando é longe pra caramba a gente não vai", disse Silva, que por conta da distância não irá ao show do Mato Seco, no Centro Cultural Palhaço Carequinha, no bairro do Grajaú.

Pelo mesmo motivo, o securitário João Pedro Rodrigues, 23, reclamava enquanto pedia um Uber. "Nada a ver esse lugar, pelo menos na praça Júlio Prestes era do lado do metrô".

Para Rodrigues, a descentralização dificultou o evento "a virar" de fato. "Não dá para sair daqui e ir para o Parque do Carmo a tempo de ver o Planta e Raiz tocar, os horários são muito próximos e os lugares longes. A ideia era andar pela cidade, não ficar em um lugar só".


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