Folha de S. Paulo


Museu que ocupa antiga casa de Prince expõe itens pessoais do cantor

Em agosto, quando Angie Marchese se tornou diretora dos arquivos de Prince em Paisley Park, a casa e estúdio do músico, uma das primeiras coisas que ela fez foi remover as velas. Elas estavam presentes em quase todas as salas do complexo, em todos os tamanhos, formas, cores e aromas.

"Substituímos todas as velas reais por velas artificiais", disse Marchese, enquanto sua equipe se preparavam para uma série de eventos que marcariam o primeiro aniversário da morte dele, em 21 de abril de 2016.

"Queríamos manter a essência das velas, e a sensação que elas causavam em cada sala, mas sem o risco de incêndio", ela explicou. "Prince podia incendiar Paisley Park, se quisesse, mas eu não."

Marchese e sua equipe –o mesmo grupo que supervisiona Graceland, a mansão de Elvis Presley transformada em atração turística– foram encarregados de preservar Paisley Park, que Prince construiu em Chanhassen, um subúrbio bem distante do centro de Minneapolis, em 1987.

No passado um estúdio comercial de gravação, com espaço disponível para cinema, Paisley Park se tornou a casa de Prince em seus anos finais.

Ao longo da história do estúdio, ele organizou centenas de shows privados e festas de dança para seus fãs lá.

Em outubro, o complexo foi inaugurado como museu que exibe instrumentos, roupas, prêmios e outras recordações. Mas, como Prince, o processo de contar sua história também tem algo de misterioso. De que modo a equipe descobriu, catalogou, selecionou e colocou em exibição as peças, selecionadas de sua imensa coleção de objetos?

"A melhor coisa da mostra em Paisley, como o lugar em si, é que ela representa uma exposição viva, dinâmica", disse Marchese. O objetivo do museu não é contar a história de Prince do nascimento à morte, mas capturar aquilo que, em sua casa e lugar de trabalho, refletia sua criatividade e visão.

Para esse fim, "o que temos exposto está sempre sendo atualizado", ela afirma, e aponta para o fato de que a família de Prince está envolvida no processo desde o começo. "Eles estão muito cientes de nosso processo de trabalho."

Até agora, a equipe de Arquivo de Paisley Park catalogou mais de 7.000 itens –número que Marchese avalia como "menos de 5%" do conteúdo do complexo.

Uma diferença essencial entre Graceland e Paisley Park, ela diz, é que Vernon Presley, pai de Elvis, que passou pelos anos difíceis da Grande Depressão, guardava todos os recibos. Mas a maior parte da documentação em Paisley se refere ao processo de criação: "Temos desenhos que mostram o guarda-roupa, anotações escritas a mão, letras escritas em envelopes e blocos, e coisas assim".

De fato, a maioria dos materiais mais antigos descobertos até agora é parte direta do processo pessoal de trabalho de Prince. Marchese menciona cerca de 20 cadernos guardados ao longo da carreira dele, entre os quais o que contém as letras do primeiro álbum do músico, "For You", e o famoso caderno de capa púrpura intitulado "Sonhos" –o título de trabalho para o filme "Purple Rain", de 1984.

"Temos na exposição o walkman dele, com fitas datadas de 1977", ela disse. "Com base no que descobrimos, ele nunca largava esse walkman. Estava sempre gravando coisas nele. Escrevia letras em qualquer pedaço de papel. É como se seu cérebro fosse impossível de desligar. Ele estava constantemente derramando no papel toda sua energia criativa".

"A caligrafia dele era linda", acrescentou Marchese. "Uma letra maravilhosa".

PAVÃO

Grande porção do trabalho dos arquivistas foi dedicada às roupas. Uma garagem inteira, com seis metros de altura, estava repleta de trajes de palco, e havia roupas em armários, em contêineres para transporte de figurinos, em caixas e malas.

Prince, morto aos 57 anos, sempre se vestiu como o pavão real do rock. (E não precisava de muito tecido para isso: tinha 1,68 m de altura e uma cintura de 57 cm.)

Um dos itens que Marchese mostrou para ilustrar como funcionam os bastidores desse processo de arquivo foi um livro de desenho grosso contendo muitos dos figurinos exclusivos de Prince, com amostras de tecidos.

As costureiras dele faziam as roupas em Paisley Park, em uma sala de costura no piso superior. Uma delas, a figurinista Debbie McGuan, que começou a trabalhar para Prince na metade dos anos 1990, participou do projeto, para ajudar a identificar as roupas.

O número de peças de roupa talvez só encontre rival na formidável coleção de sapatos de Prince. "Cada figurino tinha um par de sapatos específicos", disse Marchese, mencionando os calçados vermelhos e pretos que Prince usou na cerimônia em que foi admitido ao Hall da Fama do rock, em 2004, quando ele fez um tributo a George Harrison com um solo de guitarra destruidor em "While My Guitar Gently Weeps", e os sapatos verdes que ele usou em seu show do Super Bowl, em 2007, desenhados para reproduzir a cor do uniforme do Miami Dolphins. "A maioria dos sapatos são botas curtas, com saltos de três polegadas".

O processo de preservação da grande coleção de instrumentos de Prince necessitou da ajuda de alguns dos técnicos que serviram como roadies para ele ao longo dos anos. Cada guitarra foi limpa, recebeu encordoamento novo e, talvez a maior surpresa, foi tocada, "porque é para isso que esses instrumentos foram fabricados", disse Marchese. "Procuramos as pessoas que conheciam essas guitarras, pessoas que trabalharam com ele e com as guitarras".

Apontando para uma guitarra Vox pintada em estilo psicodélico, Marchese descreveu como a encontrou em uma sala no porão, na qual mais de 120 guitarras pendiam da parede ou estavam guardadas em seus estojos. E ela disse que sua equipe descobriu algo de incomum ao limpar e preparar a Fender Stratocaster azul clara com que Prince tocou no Super Bowl em 2007: estragos causados por água.

"E só então eu me lembrei", ela disse. "Claro, ele tocou praticamente no meio de um furacão, naquele Super Bowl."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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