Folha de S. Paulo


Marco Nanini vive tirano carismático no espetáculo 'Ubu Rei'

"Meu Deus, como eu vou fazer um tirano fofo?", questionou-se Marco Nanini quando se pôs a protagonizar "Ubu Rei", farsa grotesca do francês Alfred Jarry (1873-1907). Ao ator cabe o papel de Pai Ubu, déspota bonachão que mata a família real polonesa para ascender ao trono.

"Aí comecei a entrar no universo dele", diz. "Ele é grosseiro, mas também engraçado, carismático. Uma criatura egoísta, um psicopata com sede de poder. Você encontra esses tiranos em cada esquina. Na nossa política não sobra um [que não seja assim]."

Na montagem, que estreia nesta quinta (18), em São Paulo, após temporada no Rio, Nanini divide o palco com a companhia Atores de Laura.

Ator e grupo pesquisaram textos de Ionesco a Pirandello, mas encontraram em "Ubu" uma ressonância com os dias de hoje. "Ele é uma caricatura da voracidade de figuras da nossa sociedade, da sede de poder, de fama", afirma o diretor Daniel Herz.

"A gente ia montando a peça e via como o noticiário replicava o Ubu. Como [a vitória de] Donald Trump, que conquistou parte da população americana com aquele jeito bonachão, histriônico."

O elenco é completo por Rosi Campos na pele de Mãe Ubu, mulher do tirano. É um papel que a atriz já havia interpretado há 30 anos na montagem do Teatro do Ornitorrinco para a obra de Jarry. "É uma versão muito diferente, aquela era mais circense. Mas o texto continua muito atual."

Como uma Lady Macbeth, Mãe Ubu instiga o marido a cometer inúmeras atrocidades na busca pelo poder.

De fato, Jarry bebe muito em Shakespeare –em especial em "Macbeth" e "Hamlet"– para construir a farsa.

Mas a saga epopeica de seu déspota foi costurada com uma linguagem seca que quebrava a solenidade do teatro da época. Em vez de atos grandiloquentes, usava placas para sinalizar ações, como uma batalha.

Ainda recheou o texto de palavrões, como o "merdra" (um "merda" do falar grosseirode Ubu) que abre a peça. O espetáculo estreou na Paris de 1896 sob vaias, teve apenas três sessões e saiu de cartaz.

A obra nonsense só foi reconhecida após a morte de Jarry. Hoje é considerada precursora de movimentos como o surrealismo, o dadaísmo e o teatro do absurdo.

Na atual montagem, há referências às placas do dramaturgo francês, mas com linguagens mais contemporâneas, como as de histórias em quadrinhos e de grafites.

O cenário de Bia Junqueira mimetiza partes do corpo, em especial a boca, uma alusão à voracidade e à sede de poder dos personagens.

O texto, que recebeu cortes, adaptações e uma trilha sonora, executada ao vivo pelo elenco, lembra ainda casos da política contemporânea.

Em um de seus comandos de déspota, Ubu manda que misturem a carne servida à população com papel higiênico –referência ao escândalo deflagrado pela operação Carne Fraca, da Polícia Federal.

"Ele faz tudo com uma ingenuidade perversa", comenta Nanini. "Como nossos políticos, essa ideia de 'fodam-se os outros, eu quero é eu'. É uma noção muito estanha de política coletiva."

A jornalista viajou ao Rio a convite da produção do espetáculo.

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UBU REI
QUANDO qui. a sáb., às 21h; dom. e feriados, às 18h; até 25/6
ONDE Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195, tel. (11) 3095-9400
QUANTO R$ 15 a R$ 50
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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