Folha de S. Paulo


Brasil vence menção honrosa por seu pavilhão na Bienal de Veneza

Um dos favoritos ao Leão de Ouro, principal prêmio por um pavilhão nacional na Bienal de Veneza, o Brasil não levou a estatueta para casa, mas venceu a menção honrosa, feito inédito em quase três décadas de premiação, pelas obras de Cinthia Marcelle, escalada para representar o país neste ano.

Ela ocupou todo o piso do pavilhão com grades de ventilação que lembram bueiros nas calçadas, mas nos intervalos entre as barras metálicas encaixou pedras dos Giardini da mostra italiana.

Essas ferragens, no entanto, não são coladas no chão —inclinadas, elas criam uma espécie de rampa em direção a uma grade no fundo do espaço, dando uma sensação brutal de aprisionamento e violência, já que faz o espectador se curvar sob a viga de concreto que sustenta o teto do pavilhão.

Silas Martí/Folhapress
A artista Cinthia Marcelle e o curador Jochen Volz, premiados pelo pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza
A artista Cinthia Marcelle e o curador Jochen Volz, premiados pelo pavilhão brasileiro na Bienal de Veneza

O júri da Bienal de Veneza, presidido neste ano pelo espanhol Manuel Borja-Villel, do museu Reina Sofía, em Madri, justificou a menção honrosa ao Brasil por seu pavilhão com obras "enigmáticas e instáveis, que não nos deixam sentir segurança, um comentário sobre a situação complexa da sociedade brasileira contemporânea".

Em seu discurso de agradecimento, Marcelle, bastante emocionada, falou pouquíssimo. Lembrou só uma frase do crítico Mário Pedrosa, um dos maiores pensadores da história da arte no país, que disse que "a arte é o exercício experimental da liberdade".

Na saída do palácio Ca' Giustinian, onde acontece a cerimônia de premiação atrás da praça San Marco, Marcelle disse que foi breve em sua fala porque "está tudo no trabalho".

"Não sou uma pessoa de muitos verbos, por isso trabalho com artes plásticas. A obra já diz tudo, só não vê quem não quer", afirmou a artista. "Esse é o poder político da arte, que é um campo em ação."

Marcelle também comentou a declaração de Paulo Bruscky, um dos quatro artistas brasileiros escalados para a mostra principal da Bienal, que se recusaria a representar um país que "passou por um golpe e enfrenta a volta da direita com apoio dos militares".

"Entendo o Paulo se posicionar desse jeito. Ele vem de outra época e sofreu a ditadura de modo físico", disse a artista. "É claro que passou pela minha cabeça recusar o convite, mas a arte não deve se calar. Recusar seria se curvar à censura."

Na seleção oficial, neste ano realizada pela francesa Christine Macel, artistas são convidados pelo curador e não têm o respaldo do governo de seu país de origem, como acontece no pavilhão nacional, que agora rendeu ao Brasil uma das mais altas honrarias em Veneza desde que Lygia Pape ganhou uma menção honrosa por sua obra na mostra principal há oito anos.

Na época, os curadores eram o sueco Daniel Birnbaum e o alemão Jochen Volz. Este último, aliás, esteve à frente da última Bienal de São Paulo e foi o responsável pela escolha de Marcelle para a atual representação brasileira. Ele enfatizou, na saída da cerimônia, que ele e a artista tiveram "total liberdade" na elaboração das obras do pavilhão do país.

"É um trabalho muito forte", disse Volz. "Ele usa a linguagem das artes visuais para falar desse mundo fora de ordem que está aí, mas sem perder a poesia."

Além do piso metálico, Marcelle mostra no pavilhão um vídeo, realizado em parceria com Tiago Mata Machado, em que homens parecem acampar sobre um telhado. Vistos de longe, evocam a imagem de uma rebelião num presídio, algo reforçado pelas bandeiras que a artista também hasteou em sarrafos de madeira no pavilhão.

Na visão da artista, essa é uma cena que representa uma "nação fracassada, que naufragou". Momentos antes de deixar a cerimônia, já depois de um coquetel para os vencedores, Marcelle recomendou rasgar a página do catálogo da mostra em que aparece o nome do presidente Michel Temer.


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