Folha de S. Paulo


ANÁLISE

Convicção socialista uniu Candido a Florestan e Sérgio Buarque

Foram grandes amigos de Antonio Candido tanto Florestan Fernandes quanto Sérgio Buarque de Holanda, todos eles professores da Faculdade de Filosofia da USP, unidos pelas convicções socialistas.

A convivência passou por muitos percalços, como a perseguição da ditadura a Florestan, que foi expulso de seu cargo na Faculdade de Filosofia e obrigado a sair do país.

Quando da abertura política do final dos anos 1970, participaram conjuntamente de várias atividades. Mais tarde, Antonio Candido trabalharia para a candidatura, afinal vitoriosa, de Florestan a deputado federal pelo PT.
Eleito e reeleito, este destacou-se por combativa atuação parlamentar, a par com discussões em artigos de jornal que escreveu sem cessar para a Folha, democratizando o debate.

Juntos compareceram e juntos discursaram na Semana Carlos Marighella, em que a Universidade Federal da Bahia celebrou a memória do revolucionário, em 1994.

O convívio consubstanciou-se em trabalhos que Candido escreveria sobre o sociólogo, os quais, reunidos, renderiam um livro inteiro.

Dentre eles, destacam-se os discursos que pronunciou na inauguração de duas instituições que o homenageiam postumamente, adotando seu nome: a Biblioteca Central Florestan Fernandes, da Faculdade de Filosofia da USP, e a Escola de Formação Florestan Fernandes, do MST.

Após perder o amigo, publicou "Lembrando Florestan Fernandes" (1996), dedicando-o a seus familiares. São nove textos, entre prefácios, artigos, depoimentos e discursos. Singelamente intitulado Florestan Fernandes, seria reeditado pela Fundação Perseu Abramo em 2001.

Buarque de Holanda foi outro dos grandes amigos de Antonio Candido. Pertencente à geração anterior, o historiador fora integrante do grupo modernista e, embora paulista, residira no Rio desde os tempos do curso de direito, só se mudando para São Paulo em 1946, para assumir a direção do Museu Paulista. Até então era mais conhecido como crítico literário militante, exercendo o rodapé semanal em vários jornais importantes à época, e como autor de "Raízes do Brasil", que Candido prefaciaria por duas vezes.

Mas outras situações os uniram no passado, numa convergência de amizade e convicções políticas. Intelectuais de oposição e socialistas, ambos se aproximaram um do outro nos tempos da ditadura Vargas, em várias situações e agremiações. No decorrer da ditadura, ambos se entrincheiraram como impenitentes oposicionistas.

Mas a postura de oposição podia adquirir dimensões inusitadas. Sempre irreverente, Sérgio gostava de contar como foi abordado no viaduto do Chá por um membro da Tradição, Família e Propriedade, a qual na época efetuava verdadeiras razias para obtenção de assinaturas de apoio a seus negregados propósitos.

Ele assentiu solenemente, sungou os óculos para a testa, em gesto característico seu, e escreveu no livro um palavrão, saindo de fininho antes que o agradecido direitista percebesse a molecagem.

WALNICE NOGUEIRA GALVÃO é professora emérita da USP (Universidade de São Paulo)


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