Folha de S. Paulo


CRÍTICA

'Heroínas' subverte clássicas figuras femininas

HEROÍNAS 
AUTORA Claude Cahun
EDITORA A Bolha
Quanto R$ 35 (148 págs.)

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No caso de Claude Cahun, o mais conhecido dos pseudônimos de Lucy Schwob, é difícil separar a autoria da obra.

O movimento é tanto mais complexo na medida em não há uma única figura a considerar, senão uma variedade de máscaras que transcendem qualquer concepção de gênero. Os próprios escritos, muitos autobiográficos, não se prestam a uma classificação estanque.

Divulgação
Autorretrato de Claude Cahun, 1928
Autorretrato de Claude Cahun, 1928

E é justamente a ideia de performance e de múltiplos "eus", continuamente retomada e elaborada em uma obra que se serviu de diversas plataformas, que torna relevante a análise da trajetória da autora. Daí a importância dos (ótimos) textos de apoio em "Heroínas".

Nascida em Nantes em 1894, a filha do editor Maurice Schwob e sobrinha do escritor Marcel Schwob cresceu em ambiente privilegiado.

Por influência familiar, praticou o jornalismo de forma diletante. Produziu artigos e ensaios, além de incursões e experimentos em poesia e ficção. No posfácio de "Heroínas", François Leperlier destaca sua "escrita culta, metafórica e com várias camadas".

Mas nem só da escrita se constitui sua obra. Começou a fotografar seus famosos autorretratos na década de 1910. As fotografias espelham as obsessões que sempre transpareceram nos escritos: simbolismo, androginia, narcisismo, a ideia de performance.

Associou-se ao movimento surrealista na década de 1930, após conhecer André Breton. A partir de 1940, atuou na resistência à invasão alemã. Foi detida em 1944 e condenada à morte, mas conseguiu escapar da execução. Morreu em 1954.

"Heroínas", cujo título é inspirado em um conto de Jules Laforgue, compõe a primeira parte do volume. Em textos curtos, escritos entre 1920 e 1924, subverte as narrativas originais de figuras femininas clássicas, de Eva a Dalila, de Penélope a Maria. Com humor provocativo, parte tem potencial para causar escândalo ainda (ou sobretudo) hoje.

"Sei muito bem que sou feia, mas faço força para me esquecer disso", diz Helena, aquela que, na versão oficial, é a bela mulher considerada o pivô da guerra de Tróia.

Na versão de Cahun, Menelau, então marido de Helena, não teria poupado esforços para que todos os homens se apaixonassem por ela. Com poucas palavras e muitos subentendidos, dá à história divertida perspectiva.

Mas o intuito não é o de reabilitar essas figuras. O comprometimento é com a ambivalência, quando não com a provocação. A segunda parte da edição, "A Andrógina", com escritos dispersivos e indefinidos, diz muito sobre ela própria.

O que se sobressai em "Heroínas", além do jogo de espelhos e identidades, é o tom sagaz e bem-humorado.


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