Folha de S. Paulo


Prefiro conexão a escrita primorosa, diz autora Jojo Moyes

Ricardo Borges/Folhapress
Escritora inglesa Jojo Moyes, em hotel do Rio de Janeiro
Escritora inglesa Jojo Moyes, em hotel do Rio de Janeiro

Cinco anos atrás, a inglesa Jojo Moyes tinha oito livros publicados, dois prêmios literários em seu país e uma sensação de que jamais seria sucesso de público.

Hoje, essa ex-jornalista tem cerca de 29 milhões de livros vendidos, sendo que quase dois milhões apenas no Brasil e em 2016 –ano em que foi a campeã de vendas no país.

A transição entre os dois momentos se deveu ao romance "Como Eu Era Antes de Você", lançado por aqui em 2013, pela Intrínseca, e que vendeu, sozinho, mais de 8 milhões de cópias mundo afora.

O sucesso da história da jovem heroína romântica Louisa Clark foi adaptado por Moyes para o cinema (estreou em 2016) e gerou duas continuações em livro: "Depois de Você" (2016) e uma ainda inédita, prevista para 2018.

Hoje com 47 anos, a escritora diz que sua vida após a fama ficou imensamente corrida e cansativa –só consegue se dedicar ao trabalho e aos três filhos.

Uma viagem como a que fez ao Brasil na última semana "é o mais próximo que eu tenho de uma vida social", disse ela à Folha, na suíte de um hotel de luxo no Rio.

Em dois dias, deu entrevistas para três jornais e participou de duas sessões de autógrafos, uma no Rio e outra em São Paulo, com 200 fãs em cada. Nada que a faça se queixar, é claro. "Não tive sucesso por muito tempo e posso te dizer que hoje é muito mais divertido [risos]."

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Folha - Você foi a autora mais vendida no Brasil em 2016. Quão surpresa ficou?
Jojo Moyes - Muito, porque não presto atenção às vendas. Se elas estiverem indo muito mal ou muito bem, a editora vai me dizer. Sabia que estava indo bem, mas não tanto. Tive uma pista por causa dos leitores, minha conta no Twitter é bem movimentada. As brasileiras são divertidas porque são muito mais passionais do que a média. As britânicas dizem "gostei do seu livro", enquanto as brasileiras mandam "aaaahhhh, lindo! Bom dia!" [risos]. E mandam muitos emojis e muitos "beijos" [diz em português].

E é um público majoritariamente feminino?
Sim, aqui é, são leitoras jovens. Em alguns países há mais homens, como nos Estados Unidos. Principalmente por conta de "Como Eu Era Antes de Você", esse foi o meu livro que os homens se sentiram mais confortáveis em ler, possivelmente porque não tinha uma capa rosa. Recebo também muitas mensagens de homens gays.

Antes de você, os autores mais vendidos no Brasil foram Johanna Basford em 2015, John Green em 2014 e E.L. James em 2012. Você vê algum padrão?
Não vejo. Na minha opinião, quem é apaixonado por leitura, como eu sou, lê de tudo. Eu leio as histórias em quadrinhos dos meus filhos, acabei de ler um livro extraordinário chamado "Golden Hill" [de Francis Spufford], que ganhou prêmios no Reino Unido, leio thrillers como os de Lee Child [da série "Jack Reacher"], leio "Game of Thrones". Meus autores favoritos mudam a cada semana.

E que autores a influenciaram como escritora?
Eu sou uma dessas pessoas terríveis que são influenciadas por quem eu estiver lendo. Isso é muito ruim, porque ou eles são tão bons que te desencorajam a escrever ou o estilo deles é tão forte que começa a contaminar seu trabalho, você vai perdendo sua própria voz. À medida que fiquei mais velha, fui ficando menos assim, porque já li tantos livros que hoje minha voz é mais segura.

O sucesso de "Como Eu Era antes de Você" ajudou a revigorar seus livros anteriores. Algum deles não havia recebido a atenção devida?
Acho muito difícil reler um livro que escrevi, porque só vejo os problemas neles, é uma experiência dolorosa. Mas, na semana passada, enquanto estava doente, reli "Nada mais a Perder", que foi lançado há dez anos na Inglaterra e não vendeu nada, apesar de eu ter escrito com paixão. Ele acabou de sair nos Estados Unidos e o [jornal] "Washington Post" fez uma crítica daquelas de sonho, comparou com [Charles] Dickens, e eu pensei "eu escrevi isso?". E reli, tensa, antecipando os problemas que encontraria, mas não é tão ruim quanto eu pensava, eu gostei.

Você tem um favorito, entre os que escreveu?
"Como Eu Era antes de Você", porque mudou tudo para mim. Sempre tive boas críticas, mas poucas vendas. Lançava um livro, recebia críticas ótimas e pensava "vai ser esse", mas nunca acontecia. Você precisa encarar a realidade: se escreveu oito livros e ninguém comprou, não deve ser a capa, o título, a divulgação, talvez seja apenas que você não escreve livros que muita gente queira ler. "Como Eu Era antes de Você" foi o que me deu, pela primeira vez, a noção de que eu poderia escrever algo que interessava a muita gente. E não se trata de dinheiro, mas de validação. Coloquei meu coração e alma no livro e as pessoas gostaram.

Quais os prós e contras de ser uma campeã de vendas?
Os benefícios são muito, muito maiores. Não tive sucesso por muito tempo e posso te dizer que hoje é muito mais divertido [risos]. Antes, sentia que estava desapontando muita gente que investia nas minhas obras. Hoje, uma das vantagens é saber que já tenho uma parcela de leitores. Sei que, quando lançar o terceiro livro da série "Como Eu Era...", automaticamente haverá pessoas interessadas em lê-lo, e isso é adorável. Por outro lado, isso cria expectativas, e elas podem ser tão grandes que te paralisam. Meu maior problema nos últimos anos é que tenho pensado demais. Nas minhas três últimas obras, cheguei a um ponto em que meus editores disseram: "Ok, pare de pensar e comece a escrever". Levei nove meses para começar o novo livro, porque pensei e pensei e escrevi 20 mil palavras e descartei. Você começa a tentar prever a opinião dos outros, o que vai ser dito on-line sobre ele. E, para ser bem-sucedido em termos criativos, você não pode se deixar afetar por isso.

Como você lida com os comentários de internet?
Se você é uma personalidade pública na rede, mil pessoas vão ter opiniões bem definidas sobre o que você faz, com uma miríade de razões. E eu tenho tido sorte, porque parte delas tem sido muito útil. Uma das primeiras formas de feedback que os escritores tiveram foram as críticas dos leitores na Amazon. Houve uma fase em que metade das críticas à minha obra no site dizia coisas como "esse livro demorou para engrenar, mas, quando começou, eu gostei". Se são duas pessoas dizendo, é opinião. Se é metade de todos os comentários, então é um fato.

Em que pé está a sequência de "Depois de Você"?
Estou quase acabando. Escrevi a primeira versão e estou tirando este mês de folga, para ficar longe dela. Retomo o trabalho em junho para ver tudo que detesto nele e reescrever. Vai ser lançado no Reino Unido em janeiro ou fevereiro [no Brasil, ainda não há previsão].

Numa mensagem às fãs brasileiras sobre 'Depois de Você', você disse que ele tinha 'um pouco de romance, um pouco de risadas, um pouco de lágrimas'. Essa é a fórmula vencedora?
Oh, Deus... não sei se dá para escrever seguindo uma fórmula. Quando escrevo, tento fazer o leitor sentir algo. Há autores muito literários, admiro o que eles fazem com as palavras, mas, quando chego ao fim do livro, não consigo dizer nada sobre ele além de que a linguagem é bonita. Não me importa tanto que algo seja escrito primorosamente. Se alguém consegue me conectar aos personagens, me fazer sentir o que eles sentem, esses são os textos de que me lembro. Tento escrever coisas que gostaria de ler.

Qual o sentimento mais difícil de traduzir em palavras?
Depende. Para funcionar na página, é preciso que me faça rir ou chorar. Pareço uma louca criando, sentada no escritório, rindo ou chorando comigo mesma. Já reescrevi algumas cenas 30, 40 vezes e elas não conseguiram me fazer reagir como eu gostaria. E, se não acontece comigo, sei que o leitor também não vai sentir.

Como foi o trabalho de adaptar seus livros para o cinema?
Imensamente difícil, mas muito interessante. Estive no set [de filmagem] o tempo inteiro, trabalhando diretamente com o diretor, tentando não ser uma presença difícil. O maior problema de escritores em sets é que eles tentam assumir o comando, porque não conseguem se desapegar da visão que têm da obra.
A melhor parte disso, para mim, foi que quando você chega aos 40 [anos], sente que criou um caminho claro para si, domina o seu ofício. E, de repente, fui empurrada para um mundo em que não conhecia nada. Foi um grande exercício intelectual. E lidar com Hollywood foi um imenso exercício diplomático, porque é muito diferente do mundo das editoras e do jornalismo. Você precisa aprender uma série de novas regras, é uma outra política. Foi desafiador.

Quais seus próximos projetos nas telas?
Escrevi o roteiro para dois dos meus livros, "Paris para Um", que eu adaptei para a [produtora francesa] StudioCanal e deve ser filmado neste verão [europeu, no meio do ano], e "Um mais Um" para a [produtora americana] New Line. Não sei quando filmarão este, temos andado em círculos, como as coisas geralmente andam em Hollywood.

A Folha publicou em 1996 uma reportagem dos seus tempos de jornalista, sobre um leilão de quadros roubados pelos nazistas.
Ah, sim. Foi a inspiração para o livro "A Garota que Você Deixou para Trás", porque eu tinha pesquisado muito e fiquei fascinada com as áreas cinzentas que há no retorno de arte roubada.

E como você fez a transição de jornalista para escritora?
Escrevia à noite e, depois que virei mãe, meu marido levava as crianças ao parque no sábado de manhã para que eu pudesse escrever. Como jornalista, você não fica sentado o dia todo esperando pela inspiração, tem prazo para entregar. Dez anos disso foram uma grande escola para escrever romances, então escrevia no tempo que sobrava entre meu emprego e a vida familiar. Escrevi três livros antes de conseguir publicar. No quarto, tive a sorte de conseguir um contrato que me permitiu trocar de profissão.

E como é sua rotina?
Alguém me deu um bom conselho certa vez: se você tem filhos, só pode fazer mais uma coisa bem. E eu levei isso a sério. Decidi que gosto de estar com meus filhos e de escrever. Delego todas as outras coisas.
Não tenho uma rotina, mas um ideal: acordo às 6h, escrevo antes deles acordarem, depois fico com eles após a escola. Às vezes me interno num hotel por alguns dias, peço serviço de quarto e fico escrevendo compulsivamente, sem ver a luz do dia. É ótimo, porque você realmente se concentra. Quando você tem filhos ou um emprego, muito do que escreve fica superficial, não atinge os fundamentos do que você quer dizer. Três dias de isolamento te dão a chance de realmente pensar sobre o que está escrevendo, quais são os problemas.

Como Eu Era Antes De Você
Jojo Moyes
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Quando você começa um livro, quanto da história já está pensada?
Uma boa parte. Sou bem específica: compro um caderno de folhas A4, sem linhas, escrevo com uma caneta preta não esferográfica. Defino quem são os personagens principais, escrevo a história de cada um – de onde vêm, o que querem, como se parecem, tudo isso. Num quadro branco, determino o tema central do livro. Tento definir o máximo antes de começar a escrever, para que não aconteça como uma vez em que escrevi 135 mil palavras e deletei 70 mil, porque achei que não estava funcionando. Sempre penso: "Se esse for o último livro que escrevo, ficarei confortável com meu legado?". E a resposta geralmente é "não". [risos]


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