Folha de S. Paulo


História e indivíduo

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Capa do caderno MAIS
Capa do caderno MAIS

No dia 19/7 de 1998, para celebrar os 80 anos de Antonio Candido, morto nesta sexta (12), a Folha publicou, no extinto caderno Mais!, um especial sobre o crítico literário.

Além de José Paulo Paes, Haroldo de Campos, Leyla Perrone-Moisés, José Miguel Wisnik, Luiz Costa Lima, Luciana Stegagno Picchio, Walnice Nogueira Galvão, Gilberto Felisberto Vasconcellos, Lygia Fagundes Telles, Alain Touraine, Silviano Santiago, Benedito Nunes, José Mindlin e Maria Sylvia Carvalho Franco também escreveram sobre Candido.

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Nunca fui aluno do professor Antonio Candido. Mas leio o escritor Antonio Candido desde a década de 40. Comecei, rapazola ainda, pelos seus rodapés de crítica literária na "Folha da Manhã", mais tarde reunidos em "Brigada Ligeira", de que guardo a primeira edição, da Livraria Editora Martins.

Foi esse livrinho que, numa quadra de ainda hegemonia da prosa de ficção social-documentária, me abriu os olhos para a importância do díptico "Miramar/Serafim" na evolução das formas de ficção brasileira _importância que os inocentes do Leblon só iriam perceber décadas depois com a atoarda de quem tivesse descoberto a pólvora. Ainda em "Brigada Ligeira", a propósito de um esquecido romance de Rosário Fusco, há considerações sobre o surrealismo na literatura brasileira cuja pioneira pertinência parece ter sido hoje esquecida pelos nossos tardo-surrealistas.

Outra preciosidade bibliográfica que conservo é "Monte Cristo ou da Vingança" na edição dos "Cadernos de Cultura". Se por mais não fosse, esse ensaio de Antonio Candido me mostrou que, nos seus melhores momentos, a literatura dita de entretenimento é tão merecedora da atenção do analista literário quanto a literatura dita de proposta. Na iluminadora abordagem por ele feita da mítica de "Monte Cristo" iria eu encontrar, anos mais tarde, instigação para dois artigos em torno de reverberações dessa mítica. Ambos os artigos foram recolhidos num livro de ensaios: na dedicatória do exemplar que ofereci ao autor de "Monte Cristo ou da Vingança" chamei-o, se bem me lembro, de "fundador da monte-cristologia brasileira".

Mas o livro que me deu toda a medida da inteligência crítica de Antonio Candido foi "Formação da Literatura Brasileira". Sua primeira edição apareceu numa altura em que estávamos tão saturados da facúndia metodológica dos cruzados da Nova Crítica quanto desapontados com a pobreza de resultados de suas ocasionais incursões por textos literários brasileiros. Na pertinência com que lograva articular a contextualização histórica ao debruçamento crítico-analítico sobre a obra individual, esse livro extraordinário vinha mostrar, com a eloquência do exemplo, o justo caminho que nenhum discurso do método poderá jamais mapear por si só. E profeticamente vinha-nos pôr em guarda contra o horror estruturalista da diacronia que logo depois iria meter entre parênteses a mesma história congelada pelo poder militar.

Fui leitor atento dos vários volumes de ensaios que, na esteira do seu "magnum opus", Antonio Candido vem publicando nestes últimos anos e que lhe consolidaram em definitivo a estatura de excepcional ensaísta literário. E, se me abstenho de falar da relevância de sua docência universitária, é porque não me foi dado acompanhá-la intramuros. Mas dela tenho sempre indireta notícia por meio das contribuições de ex-alunos seus aos estudo acadêmicos de literatura. Contribuições cujo merecimento mostra não terem caído em terra sáfara as sementes por ele plantadas ao longo de tantos anos de dedicação à cátedra.

José Paulo Paes (1926 – 1998) foi ensaísta, poeta e tradutor, autor, entre outros, de "De Ontem para Hoje" (Boitempo) e "Os Perigos da Poesia e Outros Ensaios" (Topbooks).


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