Folha de S. Paulo


Paulo Bruscky ataca política brasileira em performance na Bienal de Veneza

Silas Martí/Folhapress
O artista plástico Paulo Bruscky
O artista plástico Paulo Bruscky

Mais de quatro décadas depois de planejar a performance, Paulo Bruscky realizou na manhã desta quinta na Bienal de Veneza uma de suas ações centrais ao questionamento que vem fazendo sobre a relevância da arte no mundo desde o início de sua obra nos anos 1960.

De macacão azul, o artista liderou uma fila de 30 carregadores trazendo caixas etiquetadas como obras de arte aos Giardini. Eles chegaram de barco e empilharam, em silêncio, dezenas de caixas em frente ao pavilhão central da mostra italiana.

Não há nada nas caixas. É uma crítica de Bruscky ao esvaziamento de significado de obras no cenário contemporâneo, que circulam como troféus por mostras em todo o planeta, peças-commodity mais a serviço de uma indústria do que ao avanço do pensamento estético.

Etiquetadas com selos postais, as caixas também lembram o pioneirismo de Bruscky no movimento da arte postal, vanguarda da década de 1970 marcada pelo envio de obras de arte pelo correio para driblar regimes totalitários.

Em plena forma, Bruscky chegou aos Giardini na manhã desta quinta depois de realizar uma performance na noite anterior no Guggenheim italiano, um casarão à beira do canal Grande. Ele encenou ali um trabalho de 1977 em que atores vestem cartazes soletrando as palavras "poesia viva".

Na Bienal, onde é um dos quatro artistas brasileiros na mostra principal, Bruscky atacou o atual governo do país num almoço-performance, em que lambeu tinta e fez marcas com a língua em folhas de papel.

Seus "poemas linguísticos", uma tentativa de criar poesia num idioma universal e colorido, foram passados de mão em mão aos integrantes da mesa, causando espanto em alguns, que ficaram estupefatos com a visão do artista enfiando a língua na tinta, despertando observações de que ele tem uma "energia fantástica".

"Fico feliz de estar no pavilhão internacional desta Bienal, porque me recuso a representar o Brasil neste momento", disse a convidados da mostra. "Eu me recusaria a representar um país que acaba de passar por um golpe, com os militares apoiando o governo. Isso é uma coisa vergonhosa."

Ele então se levantou e tirou o casaco, revelando uma camisa estampada com imagens de Veneza e uma frase dizendo que a cidade italiana fora "desinfetada contra a arte".

Bruscky lembrou ainda que foi preso três vezes pelo regime militar. Essa é sua segunda participação na Bienal de Veneza. Há 40 anos, ele esteve na exposição como um dos artistas mostrados no pavilhão suíço.


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