Folha de S. Paulo


Grandes nomes da música brasileira fazem tributo ao pianista Luiz Eça

Ricardo Borges/Folhapress
Da esq. para a dir., Igor Eça, Zé Renato, Edu Lobo e Dori Caymmi, que lançam disco em homenagem ao pianista Luiz Eça
Da esq. para a dir., Igor Eça, Zé Renato, Edu Lobo e Dori Caymmi, que homenageiam Luiz Eça

Nos jardins da casa que abriga a gravadora Biscoito Fino, no Rio de Janeiro, grandes nomes da música brasileira têm conversas inusitadas. Dori Caymmi, 73, estende a mão em direção a Zé Renato, 61. "Zé, você que é do Paraná, me diz: essa picada aqui é de febre amarela?" O amigo dispara: "Isso está parecendo mais zika".

Entre eles está sentado Edu Lobo, 73, rindo. Quem não apareceu para o enfrentamento com insetos no fim de tarde carioca foi o mineiro Toninho Horta, 68, que perdeu o avião para a entrevista. "O Toninho toca um violão impressionante, incrível", diz Dori. "Só a pontualidade dele que é uma merda!".

Ao lado do trio, o músico Igor Eça, que reuniu os quatro bambas para um dos discos do ano. O álbum "Em Casa com Luiz Eça" deixa suas intenções claras logo no título. A proposta de Igor foi reproduzir no estúdio o clima das reuniões musicais que aconteciam na casa do pai, o pianista, compositor e arranjador Luiz Eça (1936-1992).

De formação clássica, Eça começou a tocar nos anos 1950, nas casas noturnas cariocas. Participou ativamente da fase inicial da bossa nova, acompanhando todos os nomes importantes do movimento. Nos anos 1960, foi protagonista de uma aproximação entre o jazz e o samba ao fundar o Tamba Trio, com Bebeto Castilho e Hélcio Milito.

O primeiro álbum do trio, homônimo, de 1962, está em qualquer lista de essenciais da MPB. Em suas gravações solo, o disco "Luiz Eça & Cordas" veio dois anos depois, firmando-se como a obra mais venerada de sua extensa carreira fonográfica. Como arranjador, começou em trabalhos de Maysa e Edu Lobo, entre um currículo que é praticamente um A-Z da melhor música brasileira.

"Foi muito tranquilo gravar", diz Igor. "A música 'Tamba', por exemplo, ficou pronta no segundo take, logo de cara. E você acha que eu mostrei partitura pra alguém?", pergunta Igor. Edu sorri. "A gente lembra, claro." A única preocupação de Igor foi valorizar as músicas cantadas no repertório do pai. "As pessoas se lembram pouco do Luiz cantor", opina Zé Renato.

"Ele poderia ter deixado, fazendo a conta por baixo, mais umas 300 músicas prontas com letra, mas tinha aquela coisa de ligar a televisão, ficar vendo o Flamengo", conta Edu.

Todos fazem questão de destacar o trabalho de violão e vocais que Toninho Horta desempenha no disco. O dueto vocal com Zé Renato em "Alegria de Viver" e a guitarra em "Dolphin" são impecáveis. "Vai tocar bem assim no mato", elogia Dori.

Igor resolve contar talvez a história mais comentada de seu pai, ao lado de Vinicius de Moraes. "É a música 'Quase um Adeus'. Meu pai estava fazendo a música para a minha mãe, os dois estavam bebendo, e Vinicius fez a letra. Mas aí, diz a lenda, eles pegaram o papel com os versos escritos para enrolar um e fumaram a letra", conta, com todos gargalhando. Paulo César Pinheiro escreveu uma nova letra para ela, que Zé Renato canta no disco.

Eles falam sobre a sorte de começarem suas carreiras quando o rádio tocava João Gilberto, Tom Jobim, Luiz Eça e outros. Dori volta à verve ácida. "Tivemos o privilégio de ter todas essas informações na cara da gente. E nossos netos vão ouvir sofrência. Que merda!"

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EM CASA COM LUIZ EÇA
ARTISTAS: Dori Caymmi, Edu Lobo, Igor Eça, Toninho Horta, Zé Renato
GRAVADORA Biscoito Fino
QUANTO R$ 30 (CD)


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