Folha de S. Paulo


Direção da Bienal de Veneza defende visão menos politizada desta edição

Luigi Costantini/AP
Christine Macel e Paolo Baratta em frente ao prédio da Bienal de Veneza
Christine Macel e Paolo Baratta em frente ao prédio da Bienal de Veneza

Num momento em que até entrevistas coletivas de apresentação das grandes exposições viram performances, a abertura da atual Bienal de Veneza para jornalistas nesta quarta (10) reforçou o estilo sisudo e todas as tradições desta que é a mais tradicional mostra de arte do planeta.

No caso, o presidente da exposição, Paolo Baratta, e a curadora desta edição, a francesa Christine Macel, fizeram discursos secos e diretos para defender uma Bienal menos politizada, sem temas bem definidos e distante de representações dos conflitos que abalam o mundo.

"Desde que nossa era de ansiedade se tornou uma era de ódio, não podemos cair na armadilha de representar os dramas que já estão entre nós", disse Baratta. "Há muitos sírios e refugiados nos nossos pensamentos, mas a arte não deve simplificar demais essa situação com um discurso que possa lembrar uma cuspida na cara."

Macel, que construiu sua carreira no Pompidou, em Paris, e comanda agora a mostra de 120 artistas de 51 países, disse que pensou numa mostra que pusesse "a voz dos artistas no centro da exposição".

"Quis definir o que é um artista hoje, o que o nutre", disse Macel. "Esquecemos o papel que medos e emoções têm na criação dessas obras, como se só a razão e não as emoções importassem."

Macel, aliás, descreve toda a mostra, que abre as portas para o público neste sábado, como uma alegoria do processo criativo, do artista solitário em seu ateliê até o momento em que a obra concluída entra em contato com o público.

Sua ideia do artista como último bastião de um "humanismo em perigo" no mundo atual, no entanto, despertou críticas a uma mostra que parece ensimesmada, alienada dos desastres que se acumulam na atualidade.

Na entrevista coletiva, Macel chegou a ficar impaciente diante de perguntas que cobravam maior engajamento de sua seleção de artistas —entre eles, os brasileiros Ayrson Heráclito, Erika Verzutti, Ernesto Neto e Paulo Bruscky— com problemas como a crise dos refugiados que assola a Europa, a guerra na Síria, entre outras questões.

Sem mencionar Donald Trump ou as eleições presidenciais na França, a curadora disse querer enfrentar um mundo "cheio de populismos e retrocessos" com uma "reafirmação da liberdade da arte".

Em termos formais, Macel parece não só defender a ideia de arte pela arte mas também ter se atrelado à tradição da Bienal de Veneza ao montar sua exposição toda dividida em capítulos, lembrando os pavilhões mantidos por governos estrangeiros que se espalham pelos Giardini, prática que outras bienais do mundo, como a de São Paulo, já aboliram.

Baratta ainda defendeu a visão de que a Bienal de Veneza deve ser um exercício da visão de um curador diante do mundo. "Não acredito em mostras com conselhos e comitês", disse. "Um curador deve negociar com ninguém, só com seus próprios pensamentos."


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