Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Gravações da pianista Yara Bernette são puro deleite

Uma das mais gloriosas realizações fonográficas do piano brasileiro está finalmente chegando ao CD.

O selo Australian Eloquence acaba de lançar no mercado internacional o disco de prelúdios de Serguei Rachmaninov (1873-1943) que Yara Bernette (1920-2002) gravou para a Deutsche Grammophon, em 1970. Melhor ainda: o álbum tem três faixas inéditas, que não haviam aparecido em formato algum.

Pois, quando entrou em estúdio, a pianista registrou todos os Prelúdios Op. 23 e Op. 32 do compositor russo. Porém, na hora de lançar o álbum, descobriu-se que a quantidade de música excedia o tempo que um LP podia conter. Bernette sugeriu que se fizesse, então, um disco duplo -mas a gravadora se recusou.

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A pianista clássica Yara Bernette
A pianista clássica Yara Bernette

Ficaram de fora, então, os prelúdios Op. 23 n. 3 e Op. 32 n. 11 e n. 12, e é nessa versão incompleta que a gravação tem circulado na internet. Agora, finalmente, pode-se ouvir o registro na íntegra - 72 minutos de puro deleite.

Contando, então, com 50 anos de idade, Bernette materializou sua plena identificação com o universo estético de Rachmaninov em interpretações sólidas e esmeradas. Os prelúdios são peças breves, cuja duração nunca chega a seis minutos. Yara trata cada um deles com meticulosidade de joalheira, fazendo o piano cantar com um lirismo que não exclui clareza, e mantendo uma preocupação constante com a qualidade sonora.

Um disco desses é não apenas extremamente prazeroso e periculosamente viciante, como ainda nos convida a rememorar a relevância de uma das maiores artistas brasileiras do teclado do século 20.

Yara Bernette não é hoje tão lembrada quanto as míticas Guiomar Novaes (1894-1979) e Madgalena Tagliaferro (1893-1986), e um dos motivos é justamente a escassez de seu legado fonográfico: além desse disco da DG, tem um álbum solo de 1995 (quando ela tinha 75 anos), um CD dedicado a Villa-Lobos, como membro do Artistrio (ao lado do violino de Ayrton Pinto e do violoncelo de Antonio Lauro del Claro), e um outro, com orquestras alemãs, de concertos de Nikolai Medtner (1880-1951) e Everett Helm (1913-1999).

Não é muita coisa. Por outro lado, além dela, poucos pianistas brasileiros conseguiram gravar para esse paradigma de excelência internacional que é a Deutsche Grammophon: o incandescente gaúcho Roberto Szidon (1941-2011), o baiano Ricardo Castro, a carioca Diana Kacso e a unanimidade Nelson Freire.

Imortalizada em quadro de 1951 de Flávio de Carvalho, e festejada em crônica de Tarsila do Amaral no ano seguinte, ela nasceu em Boston, veio para o Brasil com seis meses de idade, e moldou sua sólida técnica com o tio, José Kliass (1895-1970), que lhe transmitiu a mais sólida tradição centro-europeia -foi discípulo de Martin Krause (1853-1918) que, por sua vez, foi aluno e secretário particular do que ninguém menos que Franz Liszt (1811-1886).

Divulgou a música de Camargo Guarnieri (1907-1993), apresentou-se na Europa e nos EUA, e teve importante atividade atividade pedagógica, tanto no Brasil quanto na Alemanha, onde lecionou, por duas décadas, na Escola Superior de Música de Hamburgo. Bernette tinha uma personalidade forte e marcante que, em seu disco de Rachmaninov, transformou em ferramenta do mais elevado fazer musical.

RACHMANINOV: PRELUDES
ARTISTA Yara Bernette
GRAVADORA Australian Eloquence
QUANTO US$ 8,59 (R$ 27,40, CD), na Amazon
AVALIAÇÃO ótimo 


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