Folha de S. Paulo


Renovado, MuBE destaca Paulo Mendes da Rocha

Num fim de tarde, o céu de outono já escuro, Cauê Alves dá voltas no Museu Brasileiro da Escultura. Ele, que assumiu há pouco o comando artístico da instituição, quer mostrar a aura azulada emoldurando a dramática marquise do prédio desenhado por Paulo Mendes da Rocha.

Essa luz fantasmagórica vem de um letreiro em neon que a artista Carmela Gross montou em cima do MuBE. Enquanto isso, a esplanada de concreto ali parece engolfada por ondas de fumaça, uma instalação de Laura Vinci que detonou uma série de telefonemas afoitos ao museu -muitos pensaram que um incêndio consumia o lugar.

Denise Andrade/Divulgação
O MuBE à luz de obras de Carmela Gross e de Nicolás Robbio
O MuBE à luz de obras de Carmela Gross e de Nicolás Robbio

Mesmo sem fogo de verdade, no entanto, Alves vem se esforçando para jogar luz mais intensa sobre um espaço que passou anos apagado no circuito -no alto de um poste, um canhão de luz do argentino Nicolás Robbio, aliás, parece ser o lado mais literal de toda essa estratégia.

O surgimento disso que o diretor e sua equipe vêm chamando de "novo MuBE", no caso, está ancorado em desmontar a imagem de salão de festas que grudou no endereço do Jardim Europa, daí a ideia de escalar nomes de peso da cena contemporânea com trabalhos capazes de sublinhar o lado mais valioso da instituição -sua arquitetura.

"Há um reconhecimento de que o maior patrimônio do museu é seu prédio", diz Alves. "A gente está num momento de olhar para nós mesmos e projetar o futuro."

Não à toa, uma grande mostra agora em cartaz, a maior organizada nessa nova fase do museu, tenta dissecar o pensamento de Mendes da Rocha, herói do brutalismo paulista e idealizador do MuBE.

Quando o vencedor do Pritzker, maior prêmio da arquitetura no planeta, desenhou o museu na década de 1990, ele já pensava numa espécie de parque ou praça, atendendo a demandas de moradores do bairro que não queriam um shopping ali.

Sua estrutura radical, toda de concreto e arquitetada em engenhosos desníveis em relação às ruas ao redor, no entanto, manteve a pose vanguardista só na casca, virando em grande parte espaço de aluguel para marqueteiros.

Em 2009, vivendo talvez o auge de uma crise, o museu demitiu seu curador, Jacob Klintowitz, e ficou à deriva, encenando mostras num programa sem um eixo muito claro, que ia de grafite a homenagens à Turma da Mônica.

Mas, desde o ano passado, uma mudança no comando parece preparar o terreno para um futuro menos inglório. Cauê Alves, escalado pela nova diretora administrativa, Flavia Velloso, tem como missão reerguer o MuBE, algo que depende ainda da criação de um novo acervo ali -um conjunto de peças, no caso, que deve servir de lastro conceitual à instituição.

"Surgiu a ideia de fazer uma coleção de obras efêmeras, projetos", diz Alves. "É mais uma reflexão sobre a intenção do artista do que a conservação da materialidade da obra. A função do museu é dar vida longa a trabalhos que talvez nem existissem sem ele."

Alves fala não de colecionar esculturas no sentido clássico da coisa, mas plantas e projetos de intervenções pontuais, que podem ser remontadas no futuro. Duas dessas peças, de Lucia Koch e da dupla Avaf, já entraram para o novo acervo, enquanto ele ainda negocia com uma série de artistas a doação de mais instalações nesses moldes.

Mesmo refletindo mudanças nos métodos de trabalho de autores contemporâneos, esse interesse do MuBE no que chama de "obras-projeto" também tem a ver com o fato de o museu não ter uma reserva técnica para abrigar esculturas físicas. O espaço, em forma de cubo, foi desenhado por Mendes da Rocha, mas depende de um orçamento mais robusto para sair do papel.

O museu trabalha hoje com R$ 6 milhões ao ano, sendo que desse valor recebeu, via Lei Rouanet, só R$ 1,5 milhão neste ano. É uma fração, por exemplo, dos R$ 40 milhões do Masp, instituição que passou por uma revolução administrativa há três anos. O atual público do MuBE, de cerca de 60 mil ao ano, também parece tímido diante dos 408 mil que o maior museu do país recebeu no ano passado.

Flavia Velloso, aliás, chegou a integrar a cúpula da instituição na avenida Paulista e parece ter levado ao MuBE a mesma estratégia de recuperação -o foco em doações de patronos e uma redefinição da imagem do museu.

No caso, enquanto o Masp revê os passos da arquiteta Lina Bo Bardi, uma de suas idealizadoras, a instituição do Jardim Europa se volta com tudo para Mendes da Rocha.

Outra ideia no horizonte, aliás, é a atenção do MuBE à ecologia, algo que resgata a visão de seu arquiteto. Uma mostra no fim deste ano deve dar mais peso à ideia de um lugar pensado para refletir não só sobre escultura mas também o espaço natural.

"Quando desenhou o museu, o Paulo pensou em Burle Marx", lembra Alves, acrescentando que o paisagista deve ser alvo de uma retrospectiva. "Arte contemporânea borra suas fronteiras com a não arte. Grande parte dos artistas contemporâneos se aproxima dessas questões."


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