Folha de S. Paulo


Joselito Müller, humorista que atormenta esquerda, vai ganhar livro

Canindé Soares - 22.fev.2017/Folhapress
O advogado Emanuel de Holanda Grilo, 36, autor por trás do personagem Joselito Müller, num sebo em Natal, onde vive
O advogado Emanuel de Holanda Grilo, 36, autor do personagem Joselito Müller

"Quem me processou ou vier a me processar vai perder", provoca o advogado Emanuel de Holanda Grilo.

O nome de batismo nada quer dizer para a maioria. Foi com o pseudônimo, Joselito Müller, que Grilo, 36, tornou-se uma figura da internet brasileira. No site batizado pelo personagem fictício, ele atazana políticos de esquerda publicando notícias satíricas –mas que são tomadas por muitos leitores como verdadeiras.

Essa confusão, apontam os satirizados, causa danos na prática, motivo pelo qual alguns desses políticos foram à Justiça contra Joselito/Grilo.

Ele repetiu a declaração que abre este texto ao informar à reportagem que a deputada estadual Manuela Dávila (PC do B-RS) fora derrotada em primeira instância num processo que moveu contra ele na Justiça gaúcha –ela ainda terá de pagar R$ 3.000 de custas e honorários.

Em 2015, Joselito publicou a nota "Manuela Dávila diz que foi para NY sem querer: 'Me perdi quando ia para Havana'". Na sentença proferida em 21 de março passado, o juiz Oyama Assis Brasil de Moraes disse ter interpretado o texto como "comentário humorístico incapaz de causar abalo à honra e à boa reputação da demandante" e que, "tendo a autora optado pela carreira pública e se beneficiando da notoriedade que tal carreira lhe alcançou, deve arcar com os ônus da notoriedade (...) sem que isso lhe traga direito de indenização".

Procurada, Manuela Dávila não quis se manifestar.

Joselito contra esquerda

Possivelmente o maior alvo de Joselito, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) também move uma ação contra ele na Justiça do DF.

A ação tem por base duas notícias satíricas publicadas no site: "Reagir a assalto pode virar crime hediondo" e "Projeto de lei quer incluir crime de 'travesticídio' no Código Penal". Ambas associavam a autoria dos projetos fictícios à parlamentar gaúcha, ex-ministra dos Direitos Humanos (governo Dilma) e conhecida pela militância no setor.

Maria do Rosário afirma ter tido vários contratempos com as publicações, que se espalharam pela internet como um rastilho de pólvora.

Jornais do interior do país, relata, chegaram a publicar o material como se fosse verdade. "A meu ver, é crime espalhar notícia falsa para desmoralizar alguém. Considero esse sujeito um criminoso, quero que ele suma de minha vida", afirma a deputada.

'LIVRO NEGRO'

Há, por outro lado, quem queira dar mais notoriedade à pilhéria ambígua de Joselito Müller. É o caso de Carlos Andreazza, editor-executivo da Record, que prepara para o fim do ano a publicação de um volume com sátiras do personagem, "O Livro Negro de Joselito Müller".

"Decidi fazer o livro quando me convenci de que a pegada de Joselito sobreviveria à queda do PT. É sempre uma aposta, claro, mas creio que funcionará bem. Não podemos nos esquecer de que o personagem tem público cativo", diz Andreazza.

Pode ser cativo, mas é um público em decadência, segundo dados da empresa Comscore, especializada em medir audiência na internet. O site de Joselito, que chegou a ter 624 mil visitantes únicos e 1,2 milhão de páginas vistas por mês em outubro de 2015, registrou em fevereiro passado 34 mil visitantes únicos e 42 mil páginas vistas.

Para Andreazza, o fato de que a malícia de Joselito seja muitas vezes levada a sério "decorre da combinação entre cultura autoritária, em que a censura ainda é aceitável, e deficit de leitura no Brasil".

Há quem chegue a se irritar com as publicações e cogite processá-lo, mas depois recue.

Foi o caso do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Após o parlamentar publicar numa rede social uma frase defendendo a distribuição de renda, Joselito inventou que Alencar distribuíra dinheiro na rua e publicou telefone e endereço do gabinete dele para quem quisesse receber também.

Por meio da Procuradoria da Câmara, Alencar fez uma notificação extrajudicial contra Grilo em que pedia para retirar do ar a notícia.

O advogado-humorista não retirou –e ainda escreveu uma resposta abusada e mordaz. Epigrafada com uma frase de Millôr Fernandes ("Fiquem tranquilos os poderosos que têm medo de nós: nenhum humorista atira pra matar"), é encerrada com um pedido para que o deputado lesse a Constituição ("que assegura a liberdade de expressão") e saísse da vida pública (na qual as pessoas "encontram-se parcialmente livres das proteções normais conferidas aos cidadãos comuns").

Alencar conta que pediu pra tirar do ar a publicação porque "atrapalhou bastante o trabalho, gente ligava no gabinete pedindo grana".

"Cheguei a pensar em entrar na pilha dele e marcar 'distribuição de salário' mês a mês, em pracinhas de cidades diferentes, de nomes incomuns, de cada Estado brasileiro, mas desisti da brincadeira: seria assunto pra alimentá-lo indefinidamente e eu, sem qualquer arrogância, tenho mais o que fazer. Deixei pra lá, não acompanho o site dele. As fake news reais do Brasil de hoje já me bastam", disse o deputado.

Outros sites satíricos do país, como Sensacionalista e Piauí Herald –mais famosos que o Joselito e que, diferentemente deste, não sobressaem pelo viés ideológico–, têm menos pendengas judiciais.

Criado em 2009, O Sensacionalista já foi processado pelo prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB) –quando era candidato ao cargo– e pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP).

Entre outras coisas, os políticos pediam a retirada do ar de notícias satíricas sobre eles: "Marco Feliciano cancela remessa de cremes de cabelo comprados em Miami" e um vídeo em que, se passando por Crivella numa entrevista, um imitador dizia que, se eleito, o candidato transformaria o Maracanã num templo evangélico e substituiria o Cristo Redentor pela estátua de Edir Macedo.

A Justiça manteve as sátiras no ar.

Braço da revista "piauí", o Herald, em ação desde 2007 (desde 2009 como blog), nunca foi processado. Recebeu no máximo a queixa de um militar sobre a nota "Nação angustiada espera nova gafe de Jobim"–Nelson Jobim era então ministro da Defesa. Publicou uma errata mais engraçada que o texto original.

TOSCO

Já Joselito Müller existe desde 2011, de início como um blog, graças a Emanuel Grilo, um paraense criado na Paraíba e radicado em Natal.

Ele batizou o blog em tributo ao tosco e descerebrado Joselito Sem Noção, personagem do humorístico de TV "Hermes e Renato" –o Müller surgiu quase ao acaso, quando ouvia uma música do cantor Roberto Müller.

No site, há avisos de que tudo é ficção. Questionado sobre por que não usa o nome próprio nem se identifica, ele argumenta: "Iam achar que era fake, já que meu sobrenome, Grilo, é um tanto exótico."

Até se formar em direito pela FAL (Faculdade de Natal, hoje Estácio), foi jornaleiro, ajudante de pedreiro e vendedor de livros.

Ex-militante do PCR (Partido Comunista Revolucionário), considera-se hoje um conservador desiludido com a política e diz não ter identificação com nenhum partido.

Criminalista especializado em atuar em tribunal do júri (que julga crimes contra a vida), Grilo tem o site como um passatempo, mas lucra com anúncios –segundo ele em torno de R$ 3.000 por mês.

Quando é processado, ele próprio faz sua defesa. Conta que não se apoquenta com os processos. "Não me dá trabalho, só daria se eu tivesse de contratar um advogado. Como [no site] só exerço um direito de crítica assegurado pela Constituição, então pode me processar que vai perder."


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