Folha de S. Paulo


Para economista americana, ideologia burguesa é motivo do crescimento

Deirdre McCloskey já se disse uma libertária humanizada, entre outras autodefinições mais ou menos irônicas: aristotélica, pró-mercado, cristã progressista, literata. Adotada por ultraliberais, critica tanto esquerda como direita. Nasceu Donald em 1942, tornou-se Deirdre, transgênero, em 1995.

Doutorou-se economista em Harvard e ensinou na Universidade de Chicago. Foi formada no rigor do "mainstream", pois. Atualmente, dá aulas também de literatura, clássicos e filosofia.

Jamais abandonou a disciplina econômica e quantitativa, mas sua grande obra pretende demolir a teoria mais em voga sobre a questão original e fundamental dos economistas: o motivo da riqueza das nações. É o projeto de "A Era Burguesa", uma série planejada de seis livros, três deles publicados desde 2006.

Não se trata apenas de revisão histórica das causas da Revolução Industrial. Isto é, de reexplicar porque o noroeste da Europa e, logo depois, os Estados Unidos passaram a crescer mais rapidamente a partir do século 18. McCloskey afirma que sua explicação dá conta também do crescimento explosivo da China e da Índia a partir do final do século passado.

A refutação de McCloskey é imensa, detalhada e erudita. Rejeita que o detonador do crescimento acelerado tenha sido, por exemplo, a coincidência de recursos naturais baratos (carvão) com tecnologia e acumulação de capital. Ou instituições que protegessem a propriedade e liberdades, puro interesse material ou novas classes.

NOVAS IDEIAS

O motivo do "grande enriquecimento" é anterior, de fins do século 17, uma transformação de caráter mais sociológico ou cultural, "ideológica", como ela escreve.

Virtudes burguesas passaram a ter dignidade, reconhecimento, aceitação, livre curso: tornaram-se respeitáveis. Mudou a "retórica" a respeito dos mercados (que sempre existiram, de um modo ou outro), da sabedoria prática de vida e negócios, do empreendimento inovador no comércio e na indústria. Mudaram as atitudes sociais em relação à nova riqueza.

"Retórica" é tema fundamental da obra de McCloskey. Tem aqui o sentido de disciplina ou padrões argumentativos, as tentativas de convencimento, persuasão, por meio de lógica, fatos, analogias, arte ou história.

O interesse próprio, mas não a ganância sem limite, é só um elemento de uma das virtudes burguesas, a "prudência" no sentido de sabedoria prática, combinação de senso comum e savoir-faire.

Onde floresce tal tipo de comportamento? Onde se admite a "destruição criativa" (inovações úteis podem acabar com velhos modos de vida). McCloskey rejeita socialismo e economias planejadas em geral, a dominância do interesse de grandes empresas, conservadorismo e, pois, hierarquias sociais. Crescimento é mais importante do que redução de desigualdade. Implica com regulações do Estado, mas não com certos tipos de seguridade social ("welfare").

Em suma, o enriquecimento é inovação sem limite, pode causar transformações radicais e deriva da liberdade e da disseminação de virtudes burguesas. Como entendê-lo? Com uma "nova ciência da história e da economia, que aceite número e palavra, interesse e retórica, comportamento e sentido".


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